A CLÁUSULA DE RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA

Discussão em 'Artigos Jurídicos' iniciado por lorena damascena, 18 de Maio de 2008.

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    Ceará
    A CLÁUSULA DE RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA NOS CONTRATOS DE CONSUMO
    Por Lorena de Sousa Damascena
    Advogada, Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza

    INTRODUÇÃO
    Atualmente, os fornecedores de revistas vêm adotando a cláusula da renovação automática em seus contratos. Tal cláusula consiste na necessidade de o consumidor manifestar sua vontade de não renovar o contrato quando do término deste, sob pena de renovação automática do mesmo.
    Essa prática vem sendo muito questionada pelos consumidores, haja vista que, na maioria das vezes, tal cláusula não vem inserida de forma clara e compreensível nos contratos. Ademais, mesmo que assim o faça de forma clara, é de salutar importância compreender que essa prática fere princípios primordiais da Carta Magna e do direito do consumidor.
    Como é cediço, a Constituição de 1988 é uma Carta jurídica que contém normas efetivas com aplicabilidade direta e imediata. Diante disso, as normas princípiológicas emanadas da Constituição devem irradiar todas as demais normas infraconstitucionais, uma vez que ela está no ápice de todo o ordenamento jurídico.
    De fato, o nosso sistema constitucional alberga como princípios fundamentais, entre outros, a dignidade da pessoa humana e a cidadania. Em reforço a esses dois princípios é estabelecido como direito fundamental da pessoa humana a defesa do consumidor. Diante desse quadro, devemos nos perguntar se realmente esses princípios estão sendo respeitados pelos fornecedores de bens para consumo.

    A VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR
    A Constituição Federal de 1988 ao prever em seu art.5º, inciso XXXII que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” impõe uma atuação positiva por parte do Estado no sentido de proteger a vulnerabilidade do consumidor e realizar a tutela dos “diferentes”.
    Dentro desse contexto, Claudia Lima Marques alerta-nos acerca da relação entre “diferentes” protegida no Código de Defesa do Consumidor em contraposição a relação entre iguais prevista no Código Civil.
    Adverte Erick Jayme acerca do direito que existe na modernidade ao droit à la différence (direito a ser diferente e a ser tratado diferentemente, sem necessidade mais de ser “igual” aos outros) e da sua imposição nos dias atuais.
    O Código de Defesa do Consumidor regula uma relação entre desiguais, uma vez que visa tutelar um grupo especifico de indivíduos, vulneráveis às praticas abusivas realizadas pelos fornecedores de produtos e serviços. De um lado, encontra-se o fornecedor com todo seu poderio econômico, técnico e cientifico; de outro lado, depara-se com o consumidor em situação de fragilidade e precariedade.
    Dessa forma, o campo de aplicação do CDC encontra-se adstrito a situações onde esteja presente um consumidor ante o fornecedor de produtos e serviços. Porém, para que se tenha uma visão mais concreta da relação de consumo regulada pelo CDC é necessário que se estabeleça o alcance do conceito de consumidor e de fornecedor definidos no Código de Defesa do Consumidor.
    Em relação ao conceito de consumidor, o CDC afirma em seu art.2º que consumidor é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
    Assim, de acordo com o Código, consumidor deve ser encarado como aquele que retira o bem do mercado como destinatário final. Mas o que deve ser entendido como destinatário final? Seria tão somente aquele que adquire produto sem intuito de lucro ou poderia ser enquadrado aquele que se insere na sociedade de consumo, mesmo sem relação de profissionalidade.
    Para os finalistas, a definição de consumidor deve ser aferida de acordo com a ratio que rege a lei consumerista de tutela da parte vulnerável nas relações contratuais. Partidários dessa corrente propõem uma interpretação restritiva do termo consumidor, abrangendo somente o destinatário fático e o destinatário econômico do bem ou serviço .Desse modo, de acordo com essa interpretação, o consumidor deveria retirar o bem do consumo e utilizá-lo tão somente para o seu consumo pessoal e de sua família.
    Em contrapartida, os adeptos da teoria maximalista propõem uma visão mais extensiva do conceito de consumidor abrangendo toda a coletividade de consumo e não somente o consumidor não profissional.
    A postura mais adequada, porém, vem a ser aquela defendida por Claudia Lima Marques através de sua teoria finalista mitigada, pela qual mesmo os consumidores que não são destinatários finais devem ser abrangidos pela tutela do consumidor, quando evidenciado, no caso concreto, a sua vulnerabilidade ante o fornecedor .
    A vulnerabilidade deve ser entendida como um uma situação que coloca o consumidor em situação de fragilidade e inferioridade que desequilibra a relação . De acordo com a renomada autora, existem três situações de vulnerabilidade que colocam o consumidor em posição de precariedade e passível de ataque a seus direitos básicos.
    A vulnerabilidade técnica que vem a ser a falta de conhecimentos técnicos sobre o objeto que está comprando, tornando o consumidor mais suscetível a enganos quanto às características e grau de perfeição dos produtos e serviços .
    Já a vulnerabilidade jurídica deve ser entendida como a falta de conhecimentos jurídicos específicos, de contabilidade e de economia que prejudicam o consumidor na sua avaliação a respeito das vantagens ou desvantagens quanto ao negócio que vai ser realizado .
    Salienta, ademais, acerca da vulnerabilidade fática ou sócio-econômica diante da qual o fornecedor através de seu poderio econômico ou em razão da própria essencialidade do serviço ou produto coloca todos que contratam com ele em uma posição de inferioridade .
    Em relação ao outro pólo da relação de consumo, o conceito de fornecedor vem descrito no Código de Defesa do Consumidor como “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
    Dessume-se do conceito de fornecedor previsto no CDC que o critério caracterizador é exercer atividades tipicamente profissionais com habitualidade.
    Dessas assertivas, pode-se concluir que o Código de Defesa do Consumidor surgiu como um microssistema jurídico protetivo, de origem constitucional, orientado à defesa do agente mais fraco do mercado e como forma de reequilibrar a relação contratual.
    CONSUMIDOR COMO SUJEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E A CLÁUSULA DE RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA
    A Constituição em seu art.5º inciso XXXII, preocupou-se com a realização de um direito fundamental de proteção do Estado para o consumidor. A constitucionalização desse direito teve como principal finalidade dignificar os consumidores, conferindo-lhes direitos subjetivos à proteção do Estado para os seus novos direitos consumeristas.
    Conforme já asseverado, é nesse sentido que deve ser interpretado o Código de Defesa do Consumidor como um microssistema juridico, inserido no Estado Democrático de Direito, que tem como principal objetivo assegurar direitos fundamentais dos consumidores.
    Nessa linha de pensamento, propõe-se uma interpretação do CDC conforme a Constituição atendendo-se aos princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana e do direito fundamental do cidadão à proteção do Estado, enquanto consumidor.
    Não se pode negar ao cidadão o direito a viver com dignidade através das condições materiais que o mercado propicia, incluindo-o na sociedade de consumo com “paridade de armas” ante o fornecedor. Assim, o operador há de ter sempre em mente o resguardo do consumidor diante de cláusulas abusivas impostas pelos fornecedores de produtos e serviços.
    Sem sombra de dúvidas, esta proteção contra cláusulas abusivas é umas das principais formas de alcançar o princípio da igualdade, da dignidade da pessoa humana e o Princípio imanente da justiça social que propugna o tratamento dos desiguais de acordo com suas desigualdades .
    Em relação ao tema, o CDC institui normas imperativas, as quais proíbem as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
    Nelson Néri Júnior esclarece que o rol de cláusulas abusivas enumeradas no CDC não é exaustivo, “podendo o juiz, diante das circunstâncias do caso concreto, entender ser abusiva e, portanto, nula, determinada cláusula contratual”.
    Desse modo, percebe-se que o Código institui novos valores superiores que devem ser concretizados pelo julgador a fim de aferir a abusividade repudiada pela lei consumerista.
    O princípio do equilíbrio contratual vem a ser um desses valores superiores instituídos pelo CDC, devendo o pacto contratual resguardar um equilíbrio de direitos e deveres para alcançar a justiça contratual.
    Sobre o assunto, Claudia Lima Marques assevera que o princípio da eqüidade, do equilíbrio contratual é cogente, não se exigindo que a cláusula abusiva tenha sido imposta no contrato por “abuso do poderio econômico” do fornecedor, ao contrário, o CDC sanciona e afasta apenas o resultado, o desequilíbrio.
    Outro princípio tido como um valor superior trazido pelo CDC vem a ser a boa-fé objetiva, entendido como um dever de confiança e lealdade nos contratos. Esse princípio tem três funções principais apontadas pela doutrina: função de controle, função de integração e função de interpretação. A função de controle se relaciona à contenção de abusos de direito realizados pelos fornecedores; a função de integração consiste na presença de deveres anexos nos contratos; já a função de interpretação orienta o operador do direito a prestigiar a confiança nas relações contratuais.
    Vê-se que a lei consumerista prestigia a proteção da vulnerabilidade do consumidor trazendo conceitos jurídicos indeterminados como a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual que devem ser concretizados pelo aplicador do direito para a melhor aplicação da ratio legis perseguida pelo CDC.
    Desse modo, infere-se que a cláusula de renovação automática imposta pelos fornecedores de revistas em contratos de adesão afronta o princípio do equilíbrio contratual e da boa-fé objetiva, uma vez que impõe uma atividade positiva da pessoa mais fraca da relação no sentido de manter contato com a editora a fim de não ver seu contrato renovado.
    Ademais disso, pragmaticamente, torna-se muito difícil cancelar a assinatura, pois há um descaso por parte do setor de atendimento que faz de um tudo para ver inviabilizada a pretensão de cancelamento do contrato, em desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana e da cidadania.
    Entendemos que essa prática abusiva precisa ser abolida dos contratos de consumo. Não podemos admitir que pessoas que, na maioria das vezes, se sentem persuadidas por propagandas tentadoras fiquem adstritas ad infinitum a contratos. Acreditamos que, ao menos, deve ser disponibilizada uma segunda opção no ato do contrato que possibilite a não-renovação automática do mesmo.

    Referências Bibliográficas
    MARQUES, Claudia Lima, BENJAMIN, Antonio Herman V., MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 2ª.ed., rev., atual., e ampl., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2006, p.47.
    JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: Le droit internationale prive postmoderne. Recueil des Cours de l’Académie de Droit Internacional de la Haye, Kluwer, Doordrecht, 1995, II apud MARQUES, Claudia Lima, BENJAMIN, Antonio Herman V., MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 2ª.ed., rev., atual., e ampl., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2006, p.27.
    MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratais, 4ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2004, p.253.
    Idem, p. 260.
    Idem, p.144.
    Idem, p. 270.
    Idem, p. 271.
    Idem, p. 273.
    BERTHIAU, Denis. Le principe d’égalité et le droit civil des contrats,Paris: LGDJ, 1999, p. 137 apud MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratais, 4ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2004, p.308.
    NERY JÚNIOR, Nelson. Da proteção contratual in GRINOVER, Ada Pelegrini [ et. al.]. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, 8ª ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 2004, p.517 e 518.
    MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, 4ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2004, p.742.
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