A Ineficácia Comprobatória Do Teste Do Bafômetro

Discussão em 'Artigos Jurídicos' iniciado por Ulysses, 29 de Dezembro de 2011.

  1. Ulysses

    Ulysses Dr. Ulysses Bueno de Oliveira Júnior

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    São Paulo
    A Ineficácia Comprobatória do Teste do Bafômetro​

    *Artigo publicado na revista L&C Revista de Administração Pública e Política – Ano XIV – N.º 160 – Outubro de 2011 – p. 18/20 - Editora: Consulex.

    Para a tipificação do delito de embriaguez ao volante é imprescindível a prova técnica, consubstanciada em exame de sangue, para se aferir a concentração de álcool por litro de sangue (igual ou superior a 06 (seis) decigramas por litro) – art. 306, do Código de Trânsito Brasileiro. De outro modo não se obterá a justa causa, que se traduz em um lastro probatório mínimo indispensável para que se de início à persecução em juízo, e consequentemente não se restará comprovada a materialidade do delito.
    A questão debatida é o fato acerca da possibilidade do exame de sangue ser substituído por outros testes de alcoolemia (etilômetro e exame de urina, v. g.), conforme indica o parágrafo único do artigo mencionado.
    O Poder Executivo federal editou o Decreto n.º 6.488, de 19 de junho de 2.008, que estabeleceu como teste equivalente de alcoolemia o etilômetro (bafômetro), nos seguintes termos:

    “Art. 2.º - Para os fins criminais de que trata o artigo 306 da Lei nº 9.503, de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia é a seguinte:
    I – exame de sangue: concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue; ou
    II – teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro): concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões.” (destaque nosso)

    Inicialmente, verifica-se que a tipificação do delito de embriaguez ao volante, com base na equivalência entre distintos testes de alcoolemia estabelecido em decreto outorgado pelo Poder Executivo, não obstante o permissivo legal (pelo par. ún. citado), mitiga o princípio constitucional da reserva legal (art. 5.º, inc. XXXIX, da CR/88), também previsto em sede subconstitucional (art. 1.º, do CP), eis que aquele acarreta efeitos criminógenos, definindo a própria materialidade do delito e a consequente tipificação, com imposição de pena criminal.
    A previsão da reserva legal é tradicional nas Constituições que caracterizam os Estados de Direito, e foi consagrada pelo artigo 8.º da Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1.789, com a seguinte redação: “A lei apenas deve estabelecer penas estritas e evidentemente necessárias, e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada.”
    A competência privativa para legislar sobre direito penal pertence à União (art. 22, inc. I, da CF/88), e nos termos presentes, o decreto do Poder Executivo, ao estabelecer a equivalência entre distintos teste de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado, usurpa a competência constitucionalmente estabelecida, sem a devida chancela legitimadora congressual, de modo a criar novo tipo criminal, por não se coadunar com a elementar prevista no tipo, o qual indica de forma estrita e clara (mandato de certeza) a elementar do delito: “concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas” (d. n.).
    Poderia sim, o Poder Executivo, via decreto, estabelecer variados exames de sangue para a aferição da concentração de álcool, mas não outra estirpe de exame que não afere a elementar do delito (citada), consubstanciando-se em tipificação inconstitucional, ou mesmo em analogia para criar tipo incriminador (in malam partem).
    A ofensa perpetrada atinge a garantia essencial de um Estado Democrático de Direito, eis que o princípio da reserva legal assegura “que a regulamentação da amplitude do exercício do direito sancionador do Estado, e consequentemente da liberdade do indivíduo, depende exclusivamente da prévia manifestação de vontade dos representantes populares, detentores de mandatos eletivos, diretamente eleitos pelo povo, conforme o parágrafo único do artigo 1.º, da Constituição da República.”
    Como se não restasse suficiente, do ponto de vista da ciência médica , a questão já foi analisada em juízo , ocasião em que foi bem anotado em sentença de absolvição sumária (doc. em anexo) da lavra da Douta Magistrada Dr.ª Margot Chrysostomo Corrêa Begossi, observe-se:

    “O Direito é uma ciência que muitas vezes, para sua correta aplicação, necessita socorrer-se de outras.
    Neste caso concreto, esta Magistrada, entendeu pela necessidade de socorrer-se do entendimento dos peritos médicos, tanto que determinou a expedição de oficio ao IML nos termos do despacho de fls. 86.
    Basicamente, a indagação levada a efeito ao IML por parte desta magistrada dizia respeito justamente a existência, comprovada cientificamente e assim reconhecida, da equivalência propriamente dita.
    Isto porque, a concentração de álcool de três décimos de miligrama por litro de ar expelido pelos pulmões não equivale ao limite legal definido por lei, ou seja, concentração de 6 (seis) decigramas no sangue simplesmente porque o Decreto 6488/2008 assim definiu.
    A resposta do IML de fls. 91/92 assinada pela Dra. Priscila Maria de Andrade Borra, médica legista, foi categórica, vejamos:
    "Em resposta ao quesito: "se há comprovação científica entre a correlação de distintos testes de alcoolemia e indicar referências bibliográficas científicas:
    Sim, em relação à correlação urina e sangue. Porém, referente a tabelas de conversão de valores aferidos no etilômetro, que verifica o nível de álcool etílico presente no ar expirado, desconheço a existência de tabelas de conversão ou correlação com dosagens feitas no sangue e/ou urina.-" (grifo meu).
    Ora, pelo menos por ora, a médica legista somente reforçou a tese defensiva e trouxe muitas dúvidas a esta magistrada quanto a possibilidade de se tipificar a conduta prevista pelo artigo 306 mediante a utilização do etilômetro.” (d. n.)

    E com acertada exposição, a Nobre Magistrada, ao comentar o prefalado Decreto n.º 6.488/2.008, asseverou:

    “Não houve qualquer introdução explicativa no que toca a norma editada pelo Poder Executivo, mais especificadamente quanto aos parâmetros científicos utilizados para se concluir que três décimos de miligrama por litro de ar expelido pelos pulmões equivale ao limite legal definido por lei, ou seja, concentração de 6 (seis) decigramas no sangue.”

    Dessa forma, a própria ciência médica não oferta créditos ao teste de equivalência pelo etilômetro (bafômetro), de modo que se gerar insegurança jurídica ao se considerar tipificado (indevidamente) o delito do artigo 306, do Código de Trânsito Brasileiro, com base em averiguação de ar alveolar pulmonar (e não do sangue), visto não se traduzirem em mínimos elementos de prova inspirados no tipo, de modo a não se permitir a persecução penal em juízo nesse contexto.
    A tese esposada também encontrou guarida, por unanimidade, no Notável Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual destacou no acórdão :
    “O art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro é claro e expresso ao determinar concentração de álcool por litro de sangue, de sorte que "o crime só se configurará com a comprovação de tal quantidade de álcool no sangue do condutor do veículo, o que, por sua vez, somente poderá ser averiguado - o que me parece bastante óbvio - através do competente exame de sangue".

    Essa constatação - quantidade de álcool no sangue - não pode ser substituída pelo teste do bafômetro, por ausência de previsão legal. É o que sustenta o magistrado Vinícius de Toledo Piza Peluso, "O crime de embriaguez ao volante e o bafômetro", Revista do IBCCrim, agosto de 2.008, pag. 16.” (Apelação n.º 0366692-59.2010.8.26.0000 – 10.ª Câmara Criminal, v. u. – Comarca de São Paulo) (d. n.)

    Ainda, destaque-se a conclusão da Ilustre Magistrada mencionada:

    “Assim, se o tipo penal do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro é taxativo ao mencionar que o crime se configura com determinada quantidade de álcool no sangue do condutor do veículo e que tal prova, por questões óbvias, somente pode ser feita através de exame do sangue daquele, impossível a responsabilização penal através do teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro), mediante o exame do ar expelido dos pulmões, já que, mediante a escrupulosa observação do princípio constitucional da legalidade, tal crime não existe.” (d. n.)

    Por fim, certo que com a edição da nova tipificação do delito de embriaguez e a equivalência (pelo bafômetro), ofertada (indevidamente) pelo decreto do Poder Executivo, trouxeram impacto na redução dos acidentes (segurança pública – como função do Executivo), contudo, na forma em que se encontra, violadora do sistema constitucional e das garantias do Estado de Direito, não podem subsistir, cabendo ao Poder Judiciário a efetivação da segurança jurídica (primordialmente). Assim, se a pretensão do legislador subconstitucional era, e é, louvável, deveria o mesmo, antes de inovar (e cometer equívocos), conhecer melhor o sistema jurídico-normativo e a própria ciência médica.
    Desse modo, imperioso que, caso haja a propositura de ação penal lastreada em conjunto probatório diverso do exame de sangue , seja determinado pelo Magistrado o não recebimento da denúncia, e no caso desta já recebida , seja determinada a extinção do processo pela falta de condição de procedibilidade (art. 395, incs. II e III, do CPP), ou subsidiariamente, seja o acusado absolvido sumariamente (art. 397, inc. III, do CPP).



    Ulysses Bueno de Oliveira Júnior
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    Advogado em Direito Criminal; MBA em Gestão Pública pela Universidade Federal de Uberlândia (em curso); Pós-Graduado, Lato Sensu, pela Universidade Cândido Mendes (Direito Civil); e Pós-Graduado, Lato Sensu, pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Direito Processual Civil); http://www.buenodeoliveira.com.br; Twitter: http://twitter.com/DireitoBrasil









    BIBLIOGRAFIA:


    AGUIAR, JEAN MENEZES. Bafômetro: assopra quem quer! In http://www.jean-adv.com.br/bafometro1.htm - acesso em 19/05/2011, as 17h14min.

    Moraes, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional – 5.ª ed. – São Paulo : Atlas, 2005.

    TJ/SP - Apelação n.° 0366692-59.2010.8.26.0000, Comarca de São Paulo, 10ª Câmara de Direito Criminal; Disponibilizado em 24/02/2011; Tipo de publicação: Intimação de Acórdão; Número do Diário Eletrônico: 900

    PRIMEIRA VARA CRIM. E DO JUIZ. VIOL. DOM. E FAM. CONT. MULHER – Foro Regional XI – Pinheiros – Comarca de São Paulo; Processo n.º 011.09.000130-4.
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