Battisti E Crimes Políticos

Discussão em 'Artigos Jurídicos' iniciado por Joycemar Tejo, 23 de Janeiro de 2009.

  1. Joycemar Tejo

    Joycemar Tejo Advogado pós-graduado em Direito Público

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    Algumas considerações sobre o status de asilado político, concedido a Cesare Battisti pelo governo brasileiro. A Itália tem protestado contra tal medida, sob o argumento de que Battisti foi condenado não pelas suas idéias (era membro de um grupo de esquerda nos anos 70, acusado de terrorismo), mas sim pelos seus atos- foi julgado por assassinato pela Justiça italiana, cometido no período de militância.

    O tema aqui tratado é o chamado "crime político", que possui duas espécies. O crime político próprio é o de opinião- aquele que causa ameaça à ordem institucional, ao sistema vigente. O impróprio é aquele que consiste em crime de natureza comum, mas com conotação, com pano de fundo, político/ ideológico. É o caso de assaltar um banco, por exemplo, para obter fundos para determinado grupo político. Ou nas palavras de Delmanto¹: os crimes políticos próprios "somente lesam ou põem em risco a organização política", ao passo que os impróprios "também ofendem outros interesses além da organização política".

    Battisti, pois, teria contra si a prática de crime comum (político impróprio), isto é, assassinato, que lhe tiraria o caráter de perseguido político. O artigo XIV, da Declaração Universal dos Direitos Humanos² de 1948, é explícito:
    O grifo é meu.

    Pois bem- tendo Battisti sido condenado por crime comum, não seria, à primeira vista, perseguido político, não fazendo jus à concessão de asilo. Mas surge o ponto nodal da questão- o modo pelo qual se deu tal condenação. Pelo que extraímos da mídia, além da revelia do julgamento, o magistrado italiano baseou-se em um único testemunho (à base da delação premiada, isto é, através de um delator, um dedo-duro, em troca de benefício), como elemento para condenação. Portanto, além da falta de consistência do julgado, somemos o caráter da luta política de Battisti. Parece claro haver teor persecutório político.

    Por fim, em que pese o protesto das autoridades italianas, o asilo é ato soberano do país concedente. Daí dizer José Afonso da Silva³:
    Assim, todo Estado tem o direito de conceder asilo, de modo que "se trata de assunto interno".


    _____
    ¹ DELMANTO, Celso [et al]. "Código Penal Comentado". p.64. 7.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
    ² PIOVESAN, Flávia (coord). "Código de Direito Internacional dos Direitos Humanos Anotado". p.17. São Paulo: DPJ, 2008.
    ³ SILVA, José Afonso da. "Curso de Direito Constitucional Positivo". p.340. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
  2. Fernando Zimmermann

    Fernando Zimmermann Administrador

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    É verdade que a concessão de asilo político é ato unilateral do Estado que o defere. O que acontece é que a Itália é um Estado Democrático de Direito; Battisti foi condenado à prisão perpétua pela prática de 04 homicídios; ele fugiu da prisão Italiana em que se encontrava, indo para a França; após vários pedidos de extradição e recursos formulados, Battisti foi condenado à extradição para a Itália, fugindo então para o Brasil.

    Asilos políticos devem ser concedidos em casos de ordem emanada por Estados que não se encontram regidos por um Estado Democrático de Direito. Ora, a Itália é um Estado Democrático de Direito. Battisti teve 04 condenações por homicídio, contratou vários advogados para defendê-lo nos pedidos de extradição, e, ao contrário do que fora afirmado por Tarso Genro, foi condenado com base no testemunho de várias pessoas.

    O Brasil nesse caso está se dizendo melhor que a Justiça italiana, na medida em que diz que a condenação foi injusta. Em outras palavras: em um processo italiano, já transitado em julgado, que só interessa à Itália, e que tem por réu um cidadão italiano, o Brasil quer impor sua visão, dizendo que o processo está errado.

    Tal medida do Brasil equivaleria a Itália não extraditar PC Farias na época de Collor, se ele tivesse ido buscar abrigo por lá. É uma afronta.

    O Brasil claramente mostra desrespeito pela Justiça italiana, tudo por conta, exclusivamente, de simpatia ideológica esquerdista. Não se está falando de um mero opositor do governo italiano da época, mas sim de um criminoso, que cometeu 04 homicídios, fugiu para vários países, e contratou vários advogados para impedir sua extradição da França, perdendo em todas as instâncias, com trânsito em julgado.

    Dá muita vergonha do desrespeito que o Brasil dirige à Itália neste momento.


    Veja a cronologia:


    Na newsletter do editor da Veja:

    "É definitiva a investigação jornalística que a repórter de VEJA Laura Diniz fez sobre os antecedentes do italiano Cesare Battisti, merecedor do status de refugiado político no Brasil por decisão de Tarso Genro, ministro da Justiça. VEJA havia dado crédito a Genro na Carta ao Leitor da última edição, sugerindo que ele poderia estar certo em sua decisão. Depois da reportagem de Laura, que analisou os processos contra Battisti na Itália e na França e falou com os magistrados responsáveis, só nos resta uma conclusão: Battisti matou, feriu e roubou. É terrorista."


    Matéria da jornalista Laura Diniz (http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/20...ta-refaz-o.html):

    "Ao contrário do que sustentou Tarso Genro, Battisti teve amplo direito de defesa e as provas contra ele vieram de testemunhos de diversas pessoas, e não apenas da delação premiada de Mutti. O ministro brasileiro colocou em suspeição as confissões de Mutti por duas razões. Primeiro, por entender que ele se beneficiou delas ao pôr toda a culpa sobre os ombros de Battisti. Segundo, porque Mutti estaria vivendo sob identidade falsa e não poderia ser encontrado para eventualmente inocentar Battisti no caso de o processo ser reaberto. Os fatos desmentem Tarso Genro em ambos os casos. Primeiro, Mutti cumpriu oito anos de cadeia por sua parceria terrorista com Battisti e nada teria a ganhar incriminando injustamente o colega, já que delatou o grupo todo. Segundo, Mutti não mudou de identidade e pode ser facilmente encontrado – como efetivamente o foi na semana passada por repórteres da revista italiana Panorama, que, depois de saberem da decisão e dos argumentos do ministro brasileiro, também foram atrás do ex-terrorista para elucidar o caso."


    A Itália recebeu a notícia do governo brasileiro de não extraditar Battisti como uma grave ofensa ao sistema judiciário italiano (http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u493080.shtml):

    "A decisão do governo brasileiro de não conceder a extradição de Cesare Battisti e de considerá-lo refugiado político são como "uma cuspida na cara", afirmou o procurador da Corte de Cassação italiana, Severino Santiapiachi."
  3. Joycemar Tejo

    Joycemar Tejo Advogado pós-graduado em Direito Público

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    Sim, o tema de fundo é controvertido- daí a pletora de opiniões, a favor e contra, veiculadas na mídia.

    Mas o foco -que não podemos perder de vista- é que a questão deve ser tratada sob o prisma jurídico, deixando-se de lado juízos de valor ou afinidades ideológicas.

    É por isso que endosso as palavras de Rui Martins¹, verbis:

    Como dito, cabe ao país asilante a definição da natureza do delito e da perseguição- se os considera políticos, a concessão do asilo é natural.

    ***

    Ainda sobre a questão do crime político, assim diz a lei²:

    Isto é, como dito na primeira parte deste tópico, o crime comum, com tinta política, não é imunizado.

    Mas Savonitti Miranda³ traz um interessante apontamento de José Afonso da Silva:

    Vale dizer, o caráter político absorverá o caráter comum do crime, mantendo-se a vedação da extradição.

    Independentemente de tal ponto, o que ressaltamos é o caráter soberano da concessão de asilo, dado que, repita-se, é o Estado asilante que define a natureza do crime.





    ¹. MARTINS, Rui. "Nossa Justiça é soberana". Em http://www.correiodobrasil.com.br/noticia.asp?c=148656, acesso em 26/ 01/2009.
    ²: Lei 6.815 de 1980, Estatuto do Estrangeiro.
    ³: MIRANDA, Henrique Savonitti. "Curso de Direito Constitucional". p.255. 5.ed. Brasília: Senado Federal, 2007.
  4. Fernando Zimmermann

    Fernando Zimmermann Administrador

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    Uma coisa é dizer que o Brasil pode, faticamente, em exercício de sua soberania, dar asilo político a qualquer pessoa que se encontre localizada no território nacional. Se for esta a discussão, não haverá embate, tal ato é sim possível. Mas aí estar-se-á fazendo uma análise meramente política, e não jurídica.

    A Constituição é bastante clara quanto a situações como a presente:

    CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
    Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
    I - processar e julgar, originariamente:
    [...]
    g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;



    O Estatuto do Estrangeiro (Lei 6815/1980) reitera que a análise do pedido de extradição deve ter seu trâmite no Supremo Tribunal Federal. É bastante claro ainda que quando o crime cometido constituir infração comum, nunca poderá ser considerado mero crime político.

    ESTATUTO DO ESTRANGEIRO
    Art. 77. Não se concederá a extradição quando:
    [...]
    VII - o fato constituir crime político;
    [...]
    § 1º A exceção do item VII não impedirá a extradição quando o fato constituir, principalmente, infração da lei penal comum, ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal.
    § 2º Caberá, exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal, a apreciação do caráter de infração.



    Art. 83. Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão.

    Art. 84. Efetivada a prisão do extraditando (artigo 81), o pedido será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal.
    Parágrafo único. A prisão perdurará até o julgamento final do Supremo Tribunal Federal, não sendo admitidas a liberdade vigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão-albergue.



    Ora, Battisti cometeu 04 homicídios. Homicídio é crime comum, previsto no artigo 121 do Código Penal. Aplicando-se a regra do § 1º do artigo 77 do Estatuto do Estrangeiro, forçoso se torna concluir que não pode tal delito ser considerado político; logo, Battisti deve ser extraditado.

    Da maneira como se deu, Lula e Tarso Genro atropelaram a Constituição, que prevê trâmite do pedido no Supremo Tribunal Federal; ainda cometeram a impropriedade de declinar homicídio contra civis como crime político.

    Infelizmente, a tinta ideológica de extrema esquerda foi utilizada nesta medida.
  5. Joycemar Tejo

    Joycemar Tejo Advogado pós-graduado em Direito Público

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    Insistindo no viés jurídico.

    Compete ao Ministério da Justiça, através do CONARE, o reconhecimento da condição refugiado. Daí dispor a lei¹:

    Houve, parece-me evidente, plena observância da legislação em vigor.

    O que se pode conjeturar é se teria sido o mais correto, à luz da MORAL, a concessão do asilo na hipótese em comento. Ocorre porém que já fugiríamos -se fôssemos adentrar o ponto- à análise aqui proposta.

    Encerro com a colação do seguinte texto, que, penso eu, sepulta quaisquer controvérsias restantes sobre o enfoque jurídico aqui tratado.

    Ei-lo:






    ¹: Lei n° 9.474, de 1997. "Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outras providências".
    ²: DALLARI, Dalmo. "Refúgio concedido, extradição impossível". Em http://jbonline.terra.com.br/nextra/2009/0.../e250124610.asp, acesso em 26/ 01/ 2009.
  6. Fernando Zimmermann

    Fernando Zimmermann Administrador

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    Acontece que a aludida Lei 9474/97 elenca, numerus clausus, quais são as situações que autorizam o reconhecimento da condição de refugiado:


    LEI Nº 9.474, DE 22 DE JULHO DE 1997
    Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
    I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontra-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;
    II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;
    III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.



    A primeira hipótese trata de "fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontra-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país".

    Battisti não é perseguido por sua raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política. É perseguido porque cometeu 04 homicídios, inclusive contra civis, foi denunciado, julgado e condenado, em processo com contraditório e ampla defesa, com trânsito em julgado, como culpado dos crimes.

    Como não se pode conceber que o cometimento de 04 homicídios equivale a uma opinião política, se tem que Battisti não se enquadra na hipótese do inciso I.

    A segunda situação descrita pela lei visa proteger aquele que "não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior".

    Battisti é cidadão italiano, nunca perdeu sua nacionalidade. Logo, não há que se falar em adequação da norma ao fato.

    Por fim, a última hipótese visa proteger quem, "devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país".

    A Itália não está a cometer grave e generalizada violação de direitos humanos. Vive um momento tranquilo e de paz, e organizada sob a forma de Estado Democrático de Direito. Logo, também não se justifica sob este argumento.

    Como são somente estas três as hipóteses que autorizam o reconhecimento da condição de refugiado, e como nenhuma delas subsume-se ao caso concreto tem-se que o ato de nosso Ministro é arbitrário, excede as situações que a lei lhe confere autorização para agir, e, por negar o trâmite ao STF, viola a Constituição da República, artigo 102, alínea "g".

    Uma infeliz paixão ideológica de extrema esquerda de nosso Ministro e Presidente se sobrepõem aos limites do que a lei e a Constituição permitem, e cria esse embaraço diplomático descabido. Estamos a proteger no Brasil um assassino italiano condenado. É vergonhoso.
  7. Joycemar Tejo

    Joycemar Tejo Advogado pós-graduado em Direito Público

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    Entendo que todos os incisos podem se adequar à situação de Battisti, ressaltando que, como dito, é o país asilante que irá interpretar a natureza do delito e da perseguição. E O STF não foi atropelado, ao contrário, a lei 9474/97 claramente fala que a concessão do status de refugiado obsta qualquer processo de extradição em curso.

    ***

    Creio que o tópico alcançou seu objetivo, como eu intentara: o estímulo ao debate e ao estudo dos institutos de Direito Público aqui tratados. Sem dialética, a sociedade -e consequentemente o Direito- não avança.

    Respeito a opinião do preclaro colega, não obstante considerá-la, como considero, equivocada, com a devida vênia.

    Trago à baila, muito a propósito, as belas palavras de Voltaire- "Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até o ultimo instante seu direito de dizê-la". Com elas encerro minha participação no tópico, salvo a apresentação de novas teses e vieses sobre o tema, que porventura venham a aparecer.
  8. Fernando Zimmermann

    Fernando Zimmermann Administrador

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    Esta frase de Voltaire é realmente muito excelente. E, por evidente, muito embora reconheça irrestritamente seu direito de expor sua opinião, não consigo concordar com os argumentos apresentados.

    O texto legal define o limite mínimo e máximo de interpretação que se pode utilizar para o exercício Ministerial da concessão de refúgio.

    Um rol, numerus clausus, existe justamente para limitar a decisão do Ministro da Justiça. Caso a idéia fosse lhe dar ampla discricionariedade, o texto legal se apresentaria nos seguintes termos: "O reconhecimento da condição de refugiado é ato discricionário, de competência do CONARE".

    Ainda, tem-se que, de acordo com o Estatuto dos Refugiados, aquele que comete crime hediondo não pode ser beneficiado com a condição de refugiado:

    LEI Nº 9.474, DE 22 DE JULHO DE 1997
    Seção III
    Da Exclusão
    Art. 3º Não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que:
    [...]
    III - tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas;



    Battisti cometeu homicídio qualificado, que de acordo com nossas leis, é crime hediondo. Logo, ele não pode se aproveitar da condição de refugiado.

    O CONARE negou a condição de refugiado a Battisti. O Procurador Geral da República já havia dado parecer favorável à sua extradição que tramita no STF. O Ministro da Justiça Tarso Genro, contrariando o CONARE, decidiu reconhecer-lhe a condição de refugiado, em manifestação que desmerece o Estado italiano, considerando-o incapaz de decidir com justiça. A íntegra da decisão de Tarso Genro encontra-se disponível abaixo.

    [​IMG]
    Fosse eu um cidadão italiano, estaria indignado.

    Arquivos Anexados:

  9. Joycemar Tejo

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    Não posso deixar de tornar ao ponto.

    Primo, o Estado asilante é quem interpreta a natureza do crime e da perseguição. Secundo, há teses, como a de José Afonso da Silva, que entendem que o crime político irá absorver o crime comum.

    O recurso ao Ministro está previso na lei. O duplo grau é uma garantia constitucional- a valer sua opinião, toda decisão de 2ª instância seria "vergonhosa", por reformar a decisão do juiz a quo.

    ***

    Observe suas próprias expressões, ao longo do tópico: "Uma infeliz paixão ideológica", "É vergonhoso", "Infelizmente", "Dá muita vergonha, "estaria indignado".

    Elas servem para mostrar -como eu logo percebi - que o preclaro colega se deixou levar pelo viés subjetivo, pelo viés pessoal, do assunto.

    Não é demais lembrar que o jurista é um técnico, um estudioso, e como tal deve encarar as propostas apresentadas como um cientista, isto é, de forma imparcial.

    O objetivo do tópico foi explicar, a vôo de pássaro, institutos que, aos olhos do público em geral, são obscuros, e que têm sido muito ventilados na mídia a propósito do caso de Cesare Battisti.

    Mas, se a aplicação de tais institutos foi "vergonhosa" (sic) é algo que não me compete. Ao menos, não me interessava, num fórum jurídico, conjeturar.

    Caso o preclaro colega estivesse interessado na abordagem jurídica do assunto, teria anotado inclusive o posicionamento de José Afonso da Silva, cujo trecho reproduzi, para quem o crime político absorve qualquer crime comum. Se tal entendimento é uma "vergonha" causadora de "indignação", não importa- é uma tese jurídica, deve ser anotada.

    Caso contrário, irei concluir, lamentavelmente, após o festival de "vergonha", com direito a foto de cidadão italiano "indignado" (que inclusive dá um tom indesejado de comicidade ao tópico), que este não é um fórum para debates jurídicos, e sim para se reclamar de "vergonhas".
  10. Fernando Zimmermann

    Fernando Zimmermann Administrador

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    O Direito existe para ser usado como mecanismo lógico, racional, laico e imparcial de regulação da relações humanas. Essa alegação de que uma opinião em contrário é conjectura, análise não científica ou não jurídica, caracteriza mero argumentum ad hominem, que é uma falácia, ou erro de raciocínio, uma ruptura com a lógica, identificada quando alguém responde a algum argumento com uma crítica a quem fez o argumento, e não ao argumento em si.

    Por evidente que não é esse o caso; basta olhar as mensagens e verificar citações à lei e aos parâmetros hermenêuticos jurídicos citados. E também é claro que não se possui qualquer descontentamento com o forista; o que se contraria aqui é sua idéia, e não a sua pessoa.

    Existem três teorias para a classificação do crime político:

    1. Teoria objetiva: tem vista o bem jurídico lesado, considerando-se tais aqueles que atentam contra a existência do Estado, isto é, contra a coisa pública.

    2. Teoria subjetiva: verifica-se o fim perseguindo pelo agente, independentemente da natureza do bem diretamente atingido.

    3. Teoria mista: combinação das duas anteriores. É a mais aceita, adotada pelo STF, e em consonância com o art. 77 da Lei 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro).

    A teoria mista se mostra bastante evidenciada no seguinte acórdão do Supremo Tribunal Federal:


    EMENTA: "HABEAS CORPUS". CRIME CONTRA A SEGURANÇA NACIONAL. ARMAMENTO MILITAR FABRICADO PARA EXPORTAÇÃO COM AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE FEDERAL COMPETENTE: EXTRAVIO QUE NÃO CARACTERIZA CRIME CONTRA A SEGURANÇA NACIONAL POR INEXISTÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO CONSUBSTANCIADO NA MOTIVAÇÃO POLÍTICA. CRIME POLÍTICO: CONFIGURA-SE SOMENTE QUANDO PRESENTES OS PRESSUPOSTOS CRISTALIZADOS NO ART. 2º DA LEI Nº 7.170/83: A MOTIVAÇÃO POLÍTICA E A LESÃO REAL OU POTENCIAL AOS BENS JURIDICAMENTE TUTELADOS. FALSIDADE IDEOLÓGICA: FALTA DE CONSISTÊNCIA; CRIME-MEIO: ABSORÇÃO PELO CRIME-FIM NÃO POLÍTICO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PORQUANTO NÃO TIPIFICADO O CRIME POLÍTICO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR INÉPCIA DA DENÚNCIA.
    1.Subsume-se inconcebível a configuração de crime contra a segurança nacional e a ordem política e social quando ausente o elemento subjetivo que se traduz no dolo específico: motivação política e objetivos do agente.
    2. É de repelir-se, no caso concreto, a existência de crime político, dado que não demonstrada a destinação de atentar, efetiva ou potencialmente, contra a soberania nacional e a estrutura política brasileira.

    3. O disposto no parágrafo único do art. 12 da Lei nº 7.170/83 só pode ser compreendido com o elastério que lhe dá o art. 1º, complementado pelo art. 2º da mesma Lei.
    4. Não se vislumbrando qualificação de crime de natureza política, ante os fatos pelos quais os pacientes foram acusados e que se resumem no extravio de material bélico fabricado exclusivamente para exportação, denota-se implicitamente contrariedade ao art. 109, IV, da Constituição Federal.
    5. Ainda que admitido o crime de falsidade ideológica pelo pedido, à autoridade competente, para exportar material bélico a país diverso do real destinatário, seria o caso de absorção do crime-meio pelo crime-fim, que não é de natureza política.
    6. "Habeas corpus" deferido.
    (HC 73451, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 08/04/1997, DJ 06-06-1997 PP-24868 EMENT VOL-01872-04 PP-00673)



    Em dois recentes acórdãos do Supremo Tribunal Federal, onde se analisou pedido de extradição formulado pelo governo da Argentina e do Peru, negou-se o caráter de crime político à prática de homicídio:


    EXTRADIÇÃO. ARGENTINA. HOMICÍDIO. ART. 79 DO CÓDIGO PENAL ARGENTINO. ART. 121, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. ACORDO DE EXTRADIÇÃO ENTRE OS ESTADOS. PARTES DO MERCOSUL. DECRETO Nº 4.975/2004. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS PARA O DEFERIMENTO. IMPOSSIBILIDADE, NESTA SEDE PROCESSUAL DE AVALIAR-SE A EXCLUDENTE DE LEGÍTIMA DEFESA. PEDIDO DEFERIDO.
    I - A concessão do pedido extradicional pressupõe dupla tipicidade penal; inocorrência da prescrição; pena superior a dois anos (Acordo de Extradição firmado entre os Estados-Partes do Mercosul); incompetência da Justiça brasileira para julgar o crime; não ter sido o extraditando condenado ou absolvido, no Brasil, pelo mesmo fato; não ser o extraditando submetido, no exterior, a Tribunal de exceção; não se tratar de crime político ou de opinião; existência de sentença condenatória à pena privativa de liberdade ou prisão cautelar decretada pela autoridade competente do país estrangeiro; e existência de Tratado ou oferecimento de reciprocidade.
    II - A tese de legítima defesa agitada pelo extraditando não constitui matéria suscetível de apreciação nesta sede processual.
    III - Pedido deferido, observada a detração.
    (Supremo Tribunal Federal STF; Ext-SJ 1.068-9; ARG; Tribunal Pleno; Rel. Min. Ricardo Lewandowski; Julg. 15/05/2008; DJE 27/06/2008; Pág. 28)


    EXTRADIÇÃO ATIVA. PERU. DUPLO HOMICÍDIO. ART. 106 DO CÓDIGO PENAL PERUANO. ART. 121 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS PARA O DEFERIMENTO. PEDIDO CONCEDIDO.
    I - A concessão do pedido extradicional pressupõe a dupla tipicidade penal; a inocorrência da prescrição; pena superior a um ano - Segundo a legislação brasileira -; incompetência da Justiça Brasileira para julgar o crime; não ter sido o extraditando condenado ou absolvido, no Brasil, pelo mesmo fato; não ser o extraditando submetido, no exterior, a tribunal de exceção; não se tratar de crime político ou de opinião; a existência de sentença condenatória à pena privativa de liberdade ou prisão cautelar decretada pela autoridade competente do país estrangeiro; existência de Tratado ou oferecimento de reciprocidade.
    II - Extradição concedida, ressalvada a limitação da aplicação da pena ao pedido deduzido, na denúncia, pelo Ministério Público Peruano.
    (Supremo Tribunal Federal STF; Ext 849-8; Tribunal Pleno; Rel. Min. Ricardo Lewandowski; Julg. 02/04/2007; DJU 20/04/2007; Pág. 87)



    Conforme ressaltado antes, Battisti foi condenado, com trânsito em julgado, pela prática de 04 homicídios: 1) contra um guarda carcerário; 2) contra um agente de polícia; 3) contra um militante neofascista; e 4) contra um joalheiro de Milão (o filho do joalheiro ficou paraplégico, depois de também ser atingido).

    Ao menos o homicídio contra o joalheiro não possui caráter político. Por qualquer das correntes que se adote, matar um joalheiro não é crime político. Pela teoria objetiva, homicídio não é crime político, mas sim comum; pela teoria subjetiva, não se obtém qualquer vantagem política, ou se afeta o Estado ao se matar um joalheiro; e ausentes os dois requisitos, são se verifica, portanto, a incidência da teoria mista.

    Desta forma, conforme exposto antes, o que justifica a indignação - certo de que não estou só - é o desvirtuamento de institutos jurídicos por Lula e Tarso Genro de modo a justificar atos regados de tinta ideológica esquerdista.

    Link para acompanhamento do processo no STF: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verP...ipoJulgamento=M
  11. Joycemar Tejo

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    Deixando de lado "indignações", e nos voltando para o enfoque jurídico.

    Tais são os pontos pacíficos da questão em comento:

    A) O Estado asilante é quem irá deliberar sobre a natureza do crime- se político ou comum;
    B) Tal deliberação, com a outorga, ou recusa, do status de refugiado, é ato soberano do país asilante;
    C) É o CONARE, da estrutura do Ministério da Justiça, que concede ou nega o status de refugiado em 1ª instância, sendo o recurso julgado pelo Ministro da Justiça;
    D) Concedido o status, quaisquer ações de extradição pendentes perdem o objeto, sendo arquivadas sem resolução de mérito.

    Os pontos acima estão na lei, não pairando controvérsias. Os pontos abaixo, ao contrário, são os que suscitam questões:


    I. Acerca da natureza dos crimes de Battisti:

    a) Assassinato é crime comum;
    b) Assassinato com fundo político é um crime político impróprio, logo tratado como crime comum;
    c) Assassinato com fundo político sempre terá o status de político.

    As teses "a" e "b" terão a mesma consequência: extradição do fugitivo, e seu julgamento por crime comum. A tese "c", que é a de José Afonso da Silva, citado por Savonitti Miranda, acarretará na imunização do foragido:

    O grifo é meu.

    ***

    II. Acerca da natureza da condenação de Battisti:

    a) A condenação obedeceu ao due process of law com todos os seu corolários- contraditório e ampla defesa.
    b) A condenação foi viciada, por:
    b.1.) Irregularidades processuais, SEM perseguição política;
    b.2.) irregularidades processuais, COM perseguição política.

    Observemos o seguinte.

    Mesmo que a hipótese "a" seja a verdadeira, ainda assim pode-se sustentar a tese "c", do primeiro ponto, qual seja, a de que havendo pano de fundo político incidirá a imunização.

    As duas outras hipóteses anulam o processo e, a fortiori, o asilo deve ser concedido.

    ***

    Podemos extrair, pois, que a concessão do status não é teratológica. Pode-se entender no sentido da recusa do status; mas a questão deve ficar no campo da interpretação de teses jurídicas, e não refém de juízos de valor.
  12. BALTHAZAR

    BALTHAZAR Membro Pleno

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    Gostaria inicialmente de parabenizar os colegas pelo primoroso debate.

    Num segundo momento, manifestar que apesar de uma tendência natural em aquiescer com a extradição de Battisti, no curso da leitura do debate fui levado a concordar com a tese de que o crime político atraí a imunidade mesmo diante de acusação por crime comum, como o homicídio.

    Sem dúvida há juridicidade e lógica em tal argumento, de outro norte, seria inútil a previsão do Art. 77 do Estatuto do Estrangeiro, caso o caráter político do delito não absorvesse o crime comum.

    Isso sem falar que tal entendimento poderia entrar em conflito com C.F. 88 que no art. 5º da inc. LII, não faz restrições a crimes comuns, in verbis:

    Diante das paixões políticas, que podem até ofuscar o melhor raciocínio, faz-se mister afastar-se o caso concreto, partindo-se de uma situação hipoteticamente inversa, onde o extraditando é oriundo da Venezuela, ex-proprietário de uma rede de rede de TV cuja concessão foi revogada pelo atual governo de esquerda.

    Revoltado com o que considerou uma violação a liberdade de imprensa, tentou liderar um movimento para derrubar o governo, mas não obteve sucesso.

    Teve seu pedido de prisão decretado naquele país por supostamente ter assassinado duas pessoas que teriam participado das manifestações. Diante de tal quadro teria fugido para o Brasil onde acabou preso pela PF.

    Lá na Venezuela o processo correu a sua revelia e o réu foi condenado por duplo homicídio e em seguida foi requerida sua extradição.

    Ouvido, no Brasil, o extraditando alegou perseguição política e pediu asilo. E em que pese uma antipatia geral em relação ao líder Venezuelano, é incontroverso que o país é oficialmente de uma democracia, no entanto diante do senso comum não é difícil aceitar a verossimilhança da alegada perseguição política.

    Considerando como provável a perseguição política, o que fazer diante da acusação de crime comum. Obviamente a Venezuela não fundamentaria seu pedido em crime político, a acusação principal seria sem dúvida de homicídio.

    Daí a inutilidade de interpretar-se restritivamente a norma do art. 77(Lei 6815/1980), pois numa analise restritiva seria impossível negar qualquer pedido de extradição com este fundamento, uma vez que na ótica do país requerente o crime sempre será comum.

    Cabe, portanto, ao país requerido a avaliação jurídica do caso, e, em especial determinar diante de seus valores políticos e ordenamento jurídico se de fato o crime político é predominante.

    Quanto ao caso original, envolvendo asilo político, é conveniente frisar que não sujeita-se a extradição, conforme asseverado constitui ato de “caráter soberano” “do Estado asilante que define a natureza do crime”.

    O asilo político independe da autorização ou opinião de qualquer outro estado nacional, portanto, criticas ou manifestações de representantes de outras nações constituem afronta a soberania e independência do país condedente.

    Imaginem os paraguaios queixando-se pelo asilo dado ao Pinochet, alguem tem dúvida de que ele matou mais que o Battisti?
  13. Fernando Zimmermann

    Fernando Zimmermann Administrador

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    Notícias STF

    Quarta-feira, 09 de Setembro de 2009

    Pedido de vista do ministro Marco Aurélio adia julgamento de extradição do italiano Cesare Battisti

    O julgamento do pedido de extradição (Ext 1085) do italiano Cesare Battisti foi suspenso em razão de um pedido de vista do ministro Marco Aurélio. Até o momento, o placar do julgamento está 4x3 a favor da extradição. Deferiram o pedido os ministros Cezar Peluso (relator), Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto e Ellen Gracie. Julgaram extinto o pedido a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha e os ministros Eros Grau e Joaquim Barbosa. Faltam votar os ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes.

    Por maioria (5 votos a 4), os ministros entenderam que o ato do ministro da Justiça, Tarso Genro, que concedeu refúgio a Battisti, é ilegal.

    No pedido de extradição, o governo da Itália pretende obter, no Supremo Tribunal Federal (STF), decisão que garanta a entrega de Battisti, condenado naquele país pelo assassinato de quatro pessoas entre os anos de 1977 e 1979. Também de autoria do governo italiano, o Mandado de Segurança (MS) 27875 contestava ato do ministro da Justiça, que concedeu refúgio a Battisti.

    Julgamento simultâneo

    Após o voto do relator, ministro Cezar Peluso, pela autorização da extradição de Battisti, os ministros, por maioria dos votos (5x4), consideraram que os debates sobre a Extradição 1085 e o MS 27875 deveriam ocorrer simultaneamente. A maioria dos ministros ressaltou que a matéria foi exaustivamente colocada pelo relator, havendo condições para que a Corte se pronunciasse tanto sobre a legalidade do ato de ministro de Estado quanto pelo próprio pedido de extradição.

    Concessão do pedido

    O ministro Cezar Peluso (relator) votou no sentido de autorizar a entrega de Battisti ao governo italiano. O ministro entendeu que os crimes praticados por ele são comuns e não políticos, portanto ele não teria direito ao refúgio político concedido pelo governo brasileiro. No final de seu voto, Peluso esclareceu que o presidente da República é obrigado a cumprir a decisão do Supremo, caso esta seja pela entrega do estrangeiro ao governo da Itália, conforme o artigo 1º do Tratado de Extradição celebrado entre o Brasil e a Itália.

    Dessa forma, por considerar cumpridos os requisitos do pedido, o relator deferiu a extradição sob a condição formal de que a pena de prisão perpétua seja substituída por pena de prisão não superior a 30 anos. O ministro julgou prejudicado o Mandado de Segurança (MS) 27875, uma vez que considerou nula a concessão do refúgio.

    Ao acompanhar o relator a favor da extradição, o ministro Ricardo Lewandowski lembrou que o Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80), em seu artigo 77, parágrafo primeiro, proíbe a extradição por crimes políticos, ressalvando, porém, que não se impede a entrega quando o crime ou acusação que motiva o pedido for, principalmente, infração da lei penal comum, ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal (delito que motivou o pedido de entrega do estrangeiro).

    O ministro defendeu ainda, que Battisti teve direito, no judiciário italiano, ao devido processo legal. A condenação de Battisti, que fundamenta o pedido de extradição, não se baseou apenas na delação premiada de Pietro Mutti como diz a defesa do italiano, disse Lewandowski, mas corroborada por provas materiais, testemunhais e periciais. Além disso, Battisti foi devidamente julgado pelo juiz natural da causa, e não por um juiz nomeado "ad hoc" (apenas para esse fim), como também alegou a defesa de Battisti.

    Depois de fugir da Itália e da França, Battisti veio para o Brasil, onde ficou escondido ilegalmente, até a decretação de sua prisão preventiva, em maio de 2007. Somente após instaurado o processo de extradição é que Battisti pediu refúgio ao Conare (Comitê Nacional para os Refugiados).

    Sobre o ato do ministro Tarso Genro, que concedeu refúgio a Battisti, Lewandowski concordou com Peluso, considerando nula a concessão de refúgio. Para o ministro, os crimes não têm caráter político. Homicídios que fundamentam a extradição contrastam com crime político. O ministro concordou também com Peluso quanto à característica terminativa da decisão do STF. Se a Corte conceder a extradição, a decisão deve ser observada pelo presidente da República.

    Para o ministro Carlos Ayres Britto, o caso é peculiar. Ele disse que o relator mostrou haver, na hipótese, peculiaridades justificadoras da autorização da entrega do italiano. Ayres Britto fez breves considerações sobre a diferenciação entre a natureza do refúgio e do asilo. "O refúgio é mais amplo que o asilo, este está limitado pela sua motivação política, já o refúgio é concedido no âmbito do constitucionalismo da fraternidade", disse o ministro.

    Conforme ele, "se não houver compatibilidade do conteúdo do ato [do ministro de Estado] com a finalidade do instituto [do refúgio], há um desvio de finalidade".

    A ministra Ellen Gracie votou com o relator. Ela destacou que, de acordo com o Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80), cabe exclusivamente ao Supremo a apreciação do caráter da infração definir se o delito é comum ou político. "Dessa obrigação não podemos nos demitir", afirmou.

    Além disso, com base na natureza de ato vinculado, ela invocou o inciso XXXV, do artigo 5º, da Constituição Federal, conforme o qual "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Ela lembrou que no julgamento de processos extradicionais, a Corte não tem "adentrado no reexame dos atos soberanos da magistratura de outro país. Impõem-se ao Supremo o respeito pela soberania alheia".

    Extinção

    Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha decidiu acompanhar a divergência iniciada pelo ministro Eros Grau, no sentido da extinção do processo de extradição, exatamente por considerar válido e hígido o ato do ministro Tarso Genro, que concedeu status de refugiado a Cesare Battisti. Para a ministra, o processo de refugio seguiu estritamente o que determina a Lei 9474/97 – norma que regula a concessão desta espécie de benefício.

    "Não vejo elemento que pudesse viciar o processo de concessão de refúgio", concluiu a ministra, votando contra a extradição de Battisti.

    Os ministros Eros Grau e Joaquim Barbosa adiantaram seus votos a fim de que não fosse autorizada a entrega do italiano. Grau decidiu pela extinção do processo de extradição e Barbosa declarou o processo prejudicado, determinando a expedição do alvará de soltura por considerar que Battisti está preso ilegalmente, uma vez que foi reconhecida sua condição de refugiado.

    O ministro Joaquim Barbosa destacou que o sistema brasileiro de extradição é extremamente protetor em benefício da pessoa do extraditando. Ele lembrou que ao STF cabe analisar a legalidade do pedido de extradição e avaliar se ainda há pretensão punitiva do estado requerente, ou seja, se o crime não prescreveu.

    Ainda com base no sistema extradicional brasileiro, o ministro Joaquim Barbosa ressaltou que "a decisão política situa-se no âmbito exclusivo e discricionário do chefe do Poder Executivo". Segundo Barbosa, o presidente da República não pode entregar um extraditando sem autorização do Supremo Tribunal Federal, contudo após tal autorização o chefe do Poder Executivo pode decidir não extraditar o estrangeiro procurado por outro país.

    EC,MB/LF

    Fonte: http://www.stf.jus.b...Conteudo=113013
  14. DeFarias

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    Tudo está a indicar que haverá extradição, e caberá a Gilmar Mendes decidir. Pelos indícios que deu, Marco Aurélio deve votar contra a extradição, o que levaria a empate. A tese da defesa, de que o presidente não pode votar, por analogia ao habeas corpus, não se sustenta. O tribunal já reconheceu essa possibilidade, por ocasião da Extradição 773, presidido, à época, pelo Ministro Carlos Velloso.

    E, ao que tudo indica, Gilmar Mendes deve acompanhar o relator.
  15. Fernando Zimmermann

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    Com o falecimento do Min. Menezes Direito, o STF está temporariamente desfalcado. Não tem como dar 5x5.
  16. BALTHAZAR

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    Se o Min. Marco Aurélio acompanhar a divergencia, como tudo indica haverá empate em 4 a 4, prevalecerá a máxima do in dubio pro reo?
  17. DeFarias

    DeFarias Membro Pleno

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    O Barroso tentou emplacar essa ontem. Mas não acredito que dará certo. É que o regimento interno do STF veta o voto do presidente em julgamento de habeas corpus. Ele tentou aplicar o dispositivo, por analogia, ao processo de extradição, por tratar no fundo de matéria criminal. Entretanto, existe precedente do STF em que o presidente votou. Acho que Gilmar Mendes haverá de desempatar.
  18. BALTHAZAR

    BALTHAZAR Membro Pleno

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    Analisando melhor a questão, não vejo esperança para o Dr. Barroso, ao menos no que diz respeito ao empate, o CPP é claro só prevalece o invocado principio de in dúbio pro reo caso o presidente já tenha votado, in verbis:

    Art. 615. O tribunal decidirá por maioria de votos.
    § 1º Havendo empate de votos no julgamento de recursos, se o presidente do tribunal, câmara ou turma, não tiver tomado parte na votação, proferirá o voto de desempate; no caso contrário, prevalecerá a decisão mais favorável ao réu.

    Art. 664. Recebidas as informações, ou dispensadas, o habeas corpus será julgado na primeira sessão, podendo, entretanto, adiar-se o julgamento para a sessão seguinte.
    Parágrafo único. A decisão será tomada por maioria de votos. Havendo empate, se o presidente não tiver tomado parte na votação, proferirá voto de desempate; no caso contrário, prevalecerá a decisão mais favorável ao paciente.
  19. Fernando Zimmermann

    Fernando Zimmermann Administrador

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    Quarta-feira, 18 de Novembro de 2009

    STF autoriza extradição e diz que presidente da República decide sobre entrega de Battisti

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    Depois de autorizar, por cinco votos a quatro, a Extradição (Ext 1085) de Cesare Battisti para a Itália, em um julgamento que durou três dias de longos debates, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no início da noite desta quarta-feira (18), que a última palavra sobre a entrega ou não do italiano cabe ao presidente da República.

    Ao proferir o último voto sobre o mérito do pedido do governo italiano, no início da tarde, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, manifestou seu posicionamento a favor da extradição do ativista Cesare Battisti ao governo italiano, considerando que os crimes imputados ao italiano não tiveram conotação política, e não foram alcançados pela prescrição. Com isso, a Corte autorizou, por cinco votos a quatro, a extradição do italiano. Ficaram vencidos os ministros Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Marco Aurélio.

    Presidente da República

    Na segunda parte da sessão, os ministros passaram a analisar se o presidente da República seria obrigado a cumprir a decisão do STF e entregar Battisti ao governo italiano, ou se teria algum poder discricionário (poder de decidir com base em conveniência e oportunidade), para decidir a questão, como chefe de Estado. Por cinco votos a quatro, os ministros entenderam que o presidente tem poder discricionário para decidir se extradita ou não Cesare Battisti. Já nesta votação, ficaram vencidos os ministros Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Ellen Gracie.

    Gilmar Mendes

    O ministro Gilmar Mendes frisou, em seu voto, que o presidente da República tem, por força do tratado de extradição assinado entre Brasil e Itália em 1989, bem como do artigo 86 do Estatuto dos Estrangeiros (Lei 6.815/80), a obrigação de entregar o nacional italiano. Portanto, não tem poder discricionário de decidir pela não entrega.

    "Havendo tratado, todo o processo de extradição deve obedecer suas normas", sustentou o ministro. O ministro lembrou que a única discricionariedade que o presidente tem para não efetuar a extradição ocorre em caso bem específico, previsto no artigo 91 da Lei 6.815/80, que é quando o país requerente não oferece condições de fazer o extraditado cumprir a pena dentro do que estabelece a legislação brasileira.

    Fora isso, segundo o ministro Gilmar Mendes, o presidente da República somente tem discricionariedade quanto à entrega imediata ou não do extraditando. Um retardamento pode acontecer se este sofrer de doença grave que coloque em risco sua vida, atestada por laudo médico (parágrafo único do artigo 89 a Lei 6.815), ou se ele estiver respondendo a processo no Brasil. Neste caso, o presidente pode permitir que se conclua esse processo, ou desprezar esta circunstância e efetuar a extradição.

    O ministro Gilmar Mendes qualificou de "arrematado absurdo dizer-se que agora, uma vez decidida a extradição, o presidente da República está livre para não cumpri-la". Segundo ele, partiu-se de uma especificidade da legislação pertinente ao assunto – entrega imediata ou não, em dadas circunstâncias – para se generalizar a discricionariedade.

    Eros Grau

    O ministro Eros Grau reforçou sua convicção de que os crimes pelos quais o extraditando é acusado têm natureza política, acrescentando que o voto do ministro Marco Aurélio esgotou a matéria de mérito. "Eu, serena e prudentemente, não concedo a extradição", afirmou. Mas, quanto aos efeitos do julgamento de mérito, o ministro Eros Grau manifestou-se pela não vinculação da decisão da Corte Suprema.

    Para ele, o presidente da República não está obrigado a proceder a extradição, já que a decisão do STF é meramente autorizativa. "Nos termos do tratado, o presidente da República deferirá ou não a extradição autorizada pelo STF, sem que com isso esteja a desafiar a decisão do Tribunal. Esse ponto é muito importante estabelecer, porque o tratado é que abre a possibilidade de a extradição ser recusada, sem que isso represente, da parte do presidente da República, qualquer desafio à nossa decisão", concluiu.

    Cezar Peluso

    O ministro Cezar Peluso, relator da extradição por meio da qual o governo italiano pede a entrega de seu nacional Cesare Battisti por crimes praticados naquele país entre 1977 e 1979, relembrou seu posicionamento sobre a obrigatoriedade do Presidente da República em respeitar a decisão do STF. Segundo ele, não existe no ordenamento jurídico brasileiro norma que dê ao chefe do poder Executivo o poder discricionário de decidir sobre extradições deferidas pelo STF.

    Ao receber a nota verbal do governo estrangeiro, o presidente poderia não submeter o pedido ao STF, disse o ministro-relator. Mas se o fez, se submeteu ao STF o pedido de extradição, explicou Peluso, o fez apenas para controle da regularidade, ou da legitimidade do pedido perante o ordenamento jurídico brasileiro e as regras do tratado.

    Cármen Lúcia

    A ministra Cármen Lúcia entendeu que a competência para a entrega do nacional continua sendo do presidente da República. Este, segundo a ministra, tem a faculdade, o poder discricionário, de não consumar a Extradição mesmo que já aprovada pelo STF, conforme os artigos 84, inciso VII, e 90, ambos da Constituição Federal.

    Ricardo Lewandowski

    Já o ministro Ricardo Lewandowski entendeu que o Presidente da República está limitado não apenas à decisão do STF, mas ao tratado que a República Federativa do Brasil celebrou com a Itália. Assim, salientou que deve ser observada a obrigatoriedade dos tratados, ao lembrar que o Brasil é signatário da Convenção de Viena, conforme o qual, em seu artigo 26, estabelece que todo tratado em vigor é vinculante entre as partes e deve ser executado de boa fé. Portanto, o Brasil deve se sujeitar aos vínculos obrigacionais fundados em tratados com outros países, disse o ministro.

    Carlos Ayres Britto

    Por sua vez, o ministro Carlos Ayres Britto citou que o processo de extradição começa e termina no Poder Executivo. "O Poder Judiciário é um rito de passagem necessário, mas apenas rito de passagem que faz um exame de legalidade extrínseca, portanto não entra no mérito", disse. Ele afirmou que o exame do Judiciário é delibatório, por isso não pode obrigar o presidente da República a extraditar ou não um estrangeiro.

    Ellen Gracie

    Com o relator, votou também a ministra Ellen Gracie. Ela registrou que em toda a existência do STF, nunca houve desacordo do presidente da República quanto à decisão da Corte em extradições. Para ela, é certo que o Poder Executivo não pode extraditar uma pessoa sem ouvir o STF, mas o presidente da República tem restrições para atuar. De acordo com ela, "a lei não se interpreta por tiras, nem o tratado". Portanto, resumiu que ao Judiciário cabe decidir se o pedido de extradição está apto e ao presidente da República cabe executá-lo.

    Marco Aurélio

    O ministro Marco Aurélio já havia se posicionado sobre esta questão quando proferiu seu voto-vista, na sessão da última quinta-feira (12). Para ele, o presidente da República tem o direito de dar a última palavra sobre as extradições autorizadas pelo Supremo. Da mesma forma já havia se manifestado o ministro Joaquim Barbosa, pelo poder discricionário do presidente da República.

    MB, FK, VP, EC/LF
    fonte: http://www.stf.jus.b...Conteudo=116280
  20. Joycemar Tejo

    Joycemar Tejo Advogado pós-graduado em Direito Público

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    Boa tarde aos colegas.

    Mantenho minha posição inicial (na qual estou bem secundado, como se viu no STF), de modo que me reporto às postagens acima para evitar a redundância. Elaborei ainda um pequeno texto, em formato PDF que pode ser baixado aqui: Cesare Battisti e crimes políticos.

    Gostaria de, aproveitando o ensejo, reproduzir uma postagem do Juspublicista, meu blog voltado ao Direito Público. São rápidos comentários em torno daquela aula de direito que foi o voto do ministro Eros Grau.

    BALTHAZAR curtiu isso.
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