Brasileiro Condenado A Pena De Reclusão No Exterior Pode Ser Julgado Novamente No Brasil?

Discussão em 'Direito Penal e Processo Penal' iniciado por re.mayumi, 21 de Setembro de 2012.

  1. re.mayumi

    re.mayumi Em análise

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    Boa tarde a todos.

    Tenho um "caso prático" de extraterritorialidade da lei penal nas mãos.

    A questão principal é "Deve o MP oferecer ou não a denúncia?"

    Eis o problema: é o caso de um brasileiro que cometeu dois crimes no exterior, a "associação para delinquir" e "fraude", segundo o CP italiano. Tais crimes foram descobertos pela "polícia federal" italiana em dezembro de 2001 (mas tem notícia de que o mesmo já vinha cometendo crimes desde 1996)

    Ele foi julgado e condenado (a revelia) na Itália, em pouco mais de cinco anos de reclusão, somando as penas em três processos distintos, tendo o último transitado em julgado em 03/2009.

    Acontece que o brasileiro fugiu para o Brasil, para não cumprir a pena; sendo assim, não há meios (até onde eu saiba) de executar a pena imposta pela justiça italiana no Brasil (pois não há qualquer convenção entre os dois países neste sentido), tampouco extraditá-lo, por vedação da Carta Magna (art. 5º, LI) ou ainda homologar a sentença para executá-la no país, já pela razão mencionada alhures (art. 105, I, "i" da CF c/c ART. 9º do CP) e pelo fato do exequatur não servir para este fim, segundo o art. 9º do CP brasileiro, mas tão somente para:

    I – obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis;

    II – sujeita‑lo a medida de segurança.

    A lei infraconstitucional, por sua vez (CP) estabeleceu, no art. 7º, condições para que um brasileiro, ainda que tenha cometido crime no exterior, fosse processado e julgado no Brasil (extraterritorialidade condicionada, baseada no princípio da personalidade ou nacionalidade):

    Art. 7º Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:

    II – os crimes:

    [...]

    b) praticados por brasileiro;

    [...]

    § 2º Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições:

    a) entrar o agente no território nacional;

    b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;

    c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;

    d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;

    e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

    Bom, o agente atendeu a todas as cinco hipóteses, inclusive a alínea c - isso se os crimes acima citados, de acordo com a tradução dos autos para o português, realmente se encaixarem nos crimes de quadrilha ou bando (art. 288) e estelionato (art. 171) do CP pátrio (essa é uma das minhas dúvidas, por sinal), pois o estatuto do estrangeiro autoriza a extradição de estrangeiro que cometeu crime cuja pena de prisão é superior a um ano (vide art. 77, IV da lei nº 6.815/80).

    Ao que tudo indicava, não havia qualquer óbice para que o MP oferecesse denúncia...

    Porém, ao realizar pesquisa sobre o tema, descobri que está em vigor o Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos, regulamentado pelo Decreto nº 592 de 06 de julho de 1992.

    Este pacto foi mencionado pelo Min. Celso de Mello, no julgamento da Extradição 1223, em que a corte apreciou pedido de extradição de brasileiro naturalizado (a qual foi negada) e, na mesma oportunidade, o eminente ministro levou a discussão o citado pacto, nestes termos (vide informativo 649 do STF):

    "Em obiter dictum, discutiu-se, também, a questão da possibilidade, ou não, de o brasileiro naturalizado, embora condenado pela Justiça estrangeira, vir a ser processado, criminalmente, pelo mesmo fato, no Brasil. O Min. Celso de Mello, relator, abordou a questão da eficácia extraterritorial da lei penal brasileira à luz do princípio "aut dedere, aut punire". Teceu considerações de ordem doutrinária no sentido de que, em situações como a dos autos, viabilizar-se-ia a incidência da cláusula da extraterritorialidade da lei brasileira, condicionada, no entanto, ao atendimento dos requisitos dispostos no § 2º do art. 7º do CP ["Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável"]. Aduziu que essa sistemática objetivaria evitar a impunidade do nacional que delinqüira alhures. Todavia, dessumiu do art. 14, 7, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos ("Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e os procedimentos penais de cada país"), que este diploma — qualquer que fosse sua natureza, supralegal ou constitucional — estaria acima da legislação interna, de sorte a inibir a eficácia dela. Assim, mencionou que, aparentemente, estaria tolhida a possibilidade de o Brasil instaurar, contra quem já fora absolvido ou condenado definitivamente no exterior, nova persecução criminal motivada pelos mesmos fatos subjacentes à sentença penal estrangeira. Nesse ponto, o Min. Celso de Mello sustentou a existência, em nosso sistema jurídico, da garantia constitucional contra a dupla persecução penal fundada no mesmo fato delituoso. Por sua vez, o Min. Gilmar Mendes, tendo em conta a redação dos artigos 8º e 9º do CP, sinalizou que a legislação brasileira deveria ser atualizada para admitir a execução da pena no Brasil, o que seria condizente com a internacionalização do mundo, a fim de evitar a criação de verdadeiros paraísos penais. Nessa mesma linha, o Min. Ricardo Lewandowski vislumbrou que a aceitação de condenação imposta em outro país só poderia ocorrer em âmbito restrito de acordos bilaterais ou multilaterais, em que se reconhecesse que o Judiciário estrangeiro atuasse segundo as normas do due process of law. O Min. Ayres Britto observou que essas ponderações seriam resultado da "cosmopolitanização" do direito".

    As minhas dúvidas são:

    1) Os crimes de "associação para delinquir" e "fraude" do CP italiano correspondem, respectivamente, aos crimes previstos nos arts. 288 e 171 do nosso CP?

    2) O pacto internacional de direitos civis e políticos, no qual o Brasil é signatário, tem status de norma supralegal, como o Pacto de San Jose da Costa Rica?



    3) Caso a resposta ao item anterior seja afirmativa, então o Brasil não poderia, em hipótese alguma, processar novamente este agente... Restaria, então, o pedido de arquivamento, não? (é uma tese plausível para tanto?)



    4) Pode parecer uma pergunta meio ingênua, mas assim mesmo farei: É possível, em um caso como este, devido a sua complexidade (com muitos documentos a serem analisados e mal traduzidos), enviar tais documentos para que o Procurador-Geral de Justiça apreciasse a questão – obviamente, apresentando as duas teses, de oferecer ou não a denúncia – e ele decidir se deve ou não oferecer a denúncia? Ou pode-se arriscar a oferecer o arquivamento com base neste argumento (que o pacto vedaria novo julgamento) e se o juiz discordar do argumento, aplicaria o art. 28 do CPP? (que no final daria quase no mesmo, só que na primeira hipótese, o magistrado não apreciaria o caso, pois o PGJ já seria oficiado diretamente...)





    Desde já agradeço pela atenção de todos!



    Atenciosamente,

    Regina.
  2. MENDES R

    MENDES R Membro Pleno

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    Boa tarde,

    Achei muito plausível a tese esposada . Não conhecia o teor deste acordo internacional que mencionou. De acordo com a posição atual do STF acredito que tal acordo teria sim status de norma supralegal. Deste modo mesmo tendo norma infraconstitucional permitindo a dupla persecução penal, o tratado paralisaria sua eficácia .

    Att
  3. Otreblig

    Otreblig Membro Pleno

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    Eu não li detalhadamente todo o tópico, mas a questão é bem mais simples do que parece.

    Todas os tratados internacionais eram tidos como normas ordinarias perante o nosso ordenamento jurídico. Porém, com a EC45/04 houve a inserção do § 3º no art. 5º, da CF. Esse dispositivo prevê que os tratados internacionais que versem sobre os direitos humanos terão status de emendas constitucionais.
    O que ocorre com a maioria dos tratados é que eles não foram aprovados de acordo com aquele rito, nem por isso o STF fez vista grossa perante essa omissão legislativa e resolveu incorporar os referidos tratados como sendo normas supralegais. Ou seja, eles estão acima da legislação ordinária e abaixo da CF justamente por tratarem de uma matéria de suma importância (direitos humanos).

    Não me recordo de cabeça do número, mas há um dispositivo na convenção que traz o princípio do "ne bis in idem" que veda que a pessoa cumpra pena duas vezes sobre o mesmo FATO. Além disso, o há um desdobramento do princípio que é popularmente como ne bis in idem processual que proíbe, inclusive, que o agente seja processado duas vezes pelo mesmo fato.

    Como pode ver também eu salientei que o caso é pelo fato. É inviável exigir que os tipos dos países sejam iguais, com isso consideramos o fato e independe a nomenclatura jurídica que é dada em cada ordenamento jurídico.

    Esse seria o caso de o MP deixar de lado o fato etc. Pode haver divergência sim entre MP e juiz o que pode dar azo para aplicabilidade do art. 28, do CPP. Creio que essa ação não teria segmento por todo acima exposto, mas se for o caso pode tentar o trancamento via HC e todo resto.

    Espero ter ajudado.
    Att.
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