Caso Complicado - Usucapião E Sucessão Mortis Causa

Discussão em 'Direito de Família' iniciado por PABLO, 26 de Março de 2010.

  1. PABLO

    PABLO Em análise

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    JOSÉ abandonou o lar para viver maritalmente com MARIA em 1990. Em 1987, ANA, sua mulher, ingressou com ação de divórcio litigioso, sendo decretado o divórcio em 1993 e a divisão da única casa do casal meio a meio.

    Ocorre que JOSÉ nunca teve interesse no imóvel, pois foi residir com sua nova companheira em uma outra cidadezinha próxima e, com ela, teve 3 filhos. Os filhos ainda são menores.

    Em 1999 JOSÉ veio a falecer.

    ANA continua morando na casa, e agora, depois de várias benfeitorias que fez no bem, pretende adquirir a propriedade integral, pois, até a presente data, nenhum dos herdeiros a procurou para solicitar a venda do imóvel e receber a metade a que lhes caberiam.

    Existe algum procedimento legal para que ANA tenha êxito e adquira a propriedade plena do imóvel?
  2. PABLO

    PABLO Em análise

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    E aí, pessoal, alguém pode contribuir?
  3. Ribeiro Júnior

    Ribeiro Júnior Membro Pleno

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    Ação que verse sobre prescrição aquisitiva. Mas cumpre salientar que esta não corre contra os incapazes.


    Cordialmente,
  4. IRON LAW

    IRON LAW Membro Pleno

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    Os herdeiros de José arrolaram no inventário a parte dele na casa?
  5. Tyca

    Tyca Em análise

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    Olá...Com o falecimento de José em 1999, necessário que tenha sido feito o inventário desse imóvel. Considerando que o bem passou a pertencer a mais de um dono, estabeleceu-se um condomínio. Ana pode intentar uma ação de exinção de condomínio, ou , entrar em contato com os herdeiros e compra a parte deles.
  6. IRON LAW

    IRON LAW Membro Pleno

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    Olá, Tyca.
    Já existia um condomínio antes do falecimento, pois o imóvel pertencia à Ana e ao José. Eu mencionei a questão do inventário para saber qual a situação da casa.

    Se eu fosse a Sakura, pediria uma Certidão de Ônus Reais no RGI. Se a metade pertencente ao José ainda estiver no nome dele, temos três possibilidades.

    1- Não foi feito o inventário.
    2- Foi feito o inventário, mas sem a inclusão deste bem – nesse caso, deverá ser feita uma sobrepartilha.
    3- Foi feito o inventário com a inclusão deste bem, mas os herdeiros não levaram o formal ao RGI.

    No caso 3, os herdeiros podem não ter levado o formal ao RGI por dois motivos:
    a) foram relapsos.
    b) o inventário ainda está em andamento.

    Portanto, antes de mais nada, a Sakura deve se informar sobre tudo isso.
    Abraços.
  7. Ribeiro Júnior

    Ribeiro Júnior Membro Pleno

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    Entendo que não. Pois antes de ocorrido o falecimento de José, o prazo para usucapir o imóvel já poderia ter sido transcorrido, portanto o bem não fazia mais parte da universalidade de bens dele.


    Cordialmente,
  8. IRON LAW

    IRON LAW Membro Pleno

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    Pouco importa se já havia prazo para Ana usucapir o bem antes do falecimento de José. Se ela não entrou com a respectiva ação, não ocorreu o usucapião, pois este não é automático. Se ela quer usucapir agora, deverá fazê-lo contra os herdeiros.
  9. Ribeiro Júnior

    Ribeiro Júnior Membro Pleno

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    Claro que sim. Concordo com você. Contra os herdeiros ou contra o espólio. Mas não é necessário esperar o prazo transcorrer novamente. Uma vez transcorrido, basta a chancela judicial.

    Esta não é bem a jurisprudência que eu queria, mas estou sem tempo no momento para realizar uma pesquisa mais profunda na jurisprudência.


    APELAÇÃO CÍVEL. REIVINDICATÓRIA. HERDEIRO DO FALECIDO PROPRIETÁRIO. EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. CARÁTER PRODUTIVO DO BEM CONCEDIDO PELOS RÉUS. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS COMPROBATÓRIOS A DENOTAR POSSE JUSTA OPONÍVEL AOS REIVINDICANTES. ACESSIO POSSESSIONES CARACTERIZADA.
    Êxito na ação reivindicatória depende de comprovação da propriedade do imóvel, através do respectivo título, devidamente individuado e, também, da posse injusta do réu. Constatado que os demandados ocupam o bem desde longa data, satisfazendo sua função social, desconfigurada a injustiça de sua atuação. Soma de posses com a dos antigos proprietários, diante da utilização contínua do imóvel, de forma pacífica, com ânimo de dono. Presentes os requisitos da usucapião extraordinária alegada em defesa, improcede o pedido reivindicatório.
    NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70018878348, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes, Julgado em 24/09/2009)


    Cordialmente,
  10. IRON LAW

    IRON LAW Membro Pleno

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    Ribeiro,
    discordo mais uma vez. Se os herdeiros colocaram o bem no inventário, o prazo para usucapir zerou.

    Resumindo, discordo de dois pontos:
    1- Quanto à automaticidade do usucapião
    2- Quanto a não zerar o prazo por ocasião do inventário

    Abraços.
  11. Fernando Zimmermann

    Fernando Zimmermann Administrador

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    Para o usucapião o importante é a posse, situação fática, e que por isso mesmo independe de qualquer formalismo.

    Assim, não importa se o bem foi ou não levado a inventário, situação essa que guarda ligação apenas no aspecto do direito de propriedade, e não da posse.

    Desde que reunidos os requisitos de tempo, não oposição, ânimo de dono, justo título e boa-fé, a usucapião uma vez ocorrida é meramente declarada na sentença. A sentença de usucapião é declaratória, e não constitutiva, e isso não é polêmico na doutrina e jurisprudência.

    No caso, pela narrativa, não há justo título da parte usucapível. Sobra-lhe, portanto, a usucapião especial urbana (5 anos e não ser proprietário de outro imóvel), ou a usucapião ordinária (15 anos). Deve-se ver se os requisitos foram preenchidos, se encontrando em condição de ser declarada a usucapião na sentença.

    Por fim, há entendimento de que "atos de mera tolerância" não induzem posse e não geram direito a usucapião. Deve-se apurar como se deu esse uso do imóvel.
  12. Ribeiro Júnior

    Ribeiro Júnior Membro Pleno

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    Entendo que o prazo zerou apenas na hipótese de não ter transcorrido até então. Este prazo - de usucapião - é prescricional, portanto apenas será interrompido nas hipóteses previstas em lei. Inclusive, a norma dita que a prescrição continua a correr perante os herdeiros (salvo os absolutamente incapazes). Ademais, uma vez atingido este prazo, a prescrição aquisitiva operou-se, bastando apenas a chancela judicial para que ganhe corpo no mundo jurídico.

    Eu, sinceramente, gostaria de citar algumas jurisprudências sobre este tema, mas estou com dificuldades para acessar o site do STJ. Os demais colegas também estão?


    Cordialmente,
  13. IRON LAW

    IRON LAW Membro Pleno

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    Fernando e Ribeiro,
    tentemos esquematizar o raciocínio:
    1- A usucapião ocorre sem formalismos, bastando a situação fática para gerar esse direito.
    2- Se a pessoa titular do suposto direito imagina haver a situação fática que lhe daria direito a usucapir, ela precisa ingressar com uma ação e obter uma sentença do juiz confirmando o fato.
    3- Se ela não o fez, os herdeiros precisam colocar o bem no inventário.
    4- Se o inventário é aberto com o bem em questão arrolado, está implícito que os herdeiros o estão reclamando. Ou seja, das duas uma: ou a posse era simplesmente tolerada (principalmente se levarmos em conta que quem residia no bem era a ex-esposa do pai dos herdeiros) ou passou a ter oposição.

    Então, teremos a seguinte confusão (não sei se é isso que a Sakura chamou de “complicado”):
    A titular do direito dormiu no ponto e não o reclamou assim que ele passou a existir. Os herdeiros, nada sabendo sobre essa pretensão, jamais deixaram de considerar o bem como seu (ainda que permaneçam na disposição de deixar a antiga moradora lá residindo).

    Pergunto:
    Já que a usucapião não é automática (exige sentença) e, no caso, não existe sentença declarando-a, podemos dizer que o inventário com o bem arrolado derrubou a pretensão da antiga moradora da casa, mesmo ela tendo cumprido o prazo para usucapir?
    Eu diria que sim, pois, embora o direito a usucapir tenha existido, a inércia da interessada demonstrou que ela não desejava exercê-lo, ou seja, não queria a casa para si por algum motivo qualquer.

    Obs.: se a usucapião estava apenas em vias de acontecer por ocasião do inventário, é importante que a interessada busque saber sobre esse processo. Se o bem foi arrolado, cessou a contagem do tempo, pois a casa está sendo reclamada pelos herdeiros (ou seja, não existe mais o requisito “sem oposição”). Se o bem não foi arrolado, demonstrando o desinteresse dos herdeiros, ela deve esperar o decurso do tempo para ingressar com a ação de usucapião. Nesse caso, os réus seriam justamente os herdeiros. Mas se estes não inventariaram o bem (e a lei os obriga a fazê-lo), pergunta-se: haveria a necessidade de uma sobrepartilha antes de se discutir a pertinência da usucapião e sua eventual declaração pelo juiz?
  14. Fernando Zimmermann

    Fernando Zimmermann Administrador

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    O juiz não confirma o fato, no sentido de constituir a partir dali a usucapião, simplesmente o declara.


    O inventário trata da propriedade. Em uma ação de usucapião, o inventário afetará apenas quanto a quem deve integrar o pólo passivo da ação (o titular, enquanto vivo; o espólio, enquanto não aberto inventário ou ele se processa; e o herdeiro que ficou com o quinhão correspondente ao imóvel, quando finalizado).

    O simples fato de levar o bem a inventário não constitui oposição à usucapião. Como dito, o inventário trata do direito de propriedade, e a oposição ao usucapião deve ser uma oposição à posse. É preciso ter bem nítida a diferença entre posse e propriedade.


    Não é requisito da usucapião que os proprietários deixem de considerar o bem como seu. O usucapião não é ação para declaração da aquisição de bens abandonados, mas sim para declaração da aquisição de bens de outrem. Aliás, em regra, os proprietários ficam muito bravos quando perdem uma propriedade por usucapião. É irrelevante para ação saber se os proprietários deixaram de considerar o bem como seu, só importando nesse aspecto o animus domini do autor da ação de usucapião.

    Na verdade, para o interessado no usucapião em regra quanto mais tempo levar para intentar a usucapião, melhor para ele, porque poderá reunir os requisitos de mais de uma das várias modalidades de usucapião.

    Não houve inércia no caso, eis que se os requisitos estiverem presentes, a ação é ainda possível, tranquilamente.

    Não importam: se o bem foi arrolado; tal ato não constitui oposição à posse (importante ter cristalina a diferença entre propriedade e posse); não há embasamento legal dessa condição da sobrepartilha, que não constitui requisito do usucapião.
    Ribeiro Júnior curtiu isso.
  15. Ribeiro Júnior

    Ribeiro Júnior Membro Pleno

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    Voto com o Zimmermann.
  16. IRON LAW

    IRON LAW Membro Pleno

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    Olá, Fernando.
    O juiz elabora uma sentença declaratória após confirmar a existência dos fatos que geraram o direito de usucapir. Foi nesse sentido que utilizei o termo “confirmação”.

    Meus cumprimentos pela sua lúcida exposição sobre posse e propriedade. Mas, quanto à oposição, ela não parece estar adstrita às ações possessórias.

    “A ação de anulação de escritura pública, ajuizada contra os possuidores, antes que se completasse o lapso para a prescrição aquisitiva, torna evidente o intuito do proprietário em molestar a ocupação mansa e pacífica do imóvel”
    http://www.tex.pro.br/wwwroot/curso/procedimentosespeciais/acaodeusucapiao.htm

    Outra situação: imagine que o falecido tenha deixado imóveis espalhados pelo país, alguns desconhecidos pelos herdeiros. Estes abrem o inventário e se empenham para encontrar tais bens. Porém, os imóveis só são achados após tornarem-se passíveis de ser usucapidos, o que ocorreu somente após a abertura do inventário. E então? Esse esforço dos herdeiros em encontrar os bens pode ser caracterizado como oposição?

    Este debate está meio confuso porque não ficou definido se a discussão é genérica ou específica ao caso proposto pela Sakura. Neste, a permanência de Ana parece ser um ato de mera tolerância por parte de seu ex-marido, José, mas não há como afirmar isso taxativamente. O inventário arrolando o bem seria uma peça do quebra-cabeça que ajudaria a confirmar o fato?

    Embora inquestionável a diferença entre posse e propriedade, na usucapião temos uma posse que afeta diretamente a propriedade de outrem. Nesse sentido, os dois conceitos se interligam.

    Vejamos:
    Presentes certos requisitos de posse, B pode perder seu direito à propriedade para A, que deve provocar a justiça para obter uma sentença nesse sentido. Sem essa ação, B não perde nada, pois a transferência de titularidade de bem imóvel só se faz com o devido registro. Resumindo, sem sentença e sem registro, A, mesmo tendo cumprido os requisitos da usucapião, não tornou-se proprietário, estando B ainda como detentor desta qualidade. Se assim é, B não está privado de praticar atos como tal.

    Foi esse um dos pontos que questionei na argumentação do Ribeiro, que defendeu a tese dos herdeiros não inventariarem o bem em virtude dos requisitos para usucapir simplesmente estarem cumpridos por A, embora este não tenha sentença declarando tal direito.

    Digamos, por hipótese, que A tenha direito a usucapir determinado bem e se mantém inerte. B, legítimo proprietário do imóvel, vende para C, que o compra de boa-fé e o registra como seu. C, então, ingressa com uma imissão na posse contra A, que posteriormente ingressa com uma ação de usucapião. Veja a confusão provocada pela inércia de A! E B não pode ser acusado de má-fé, pois ele vendeu aquilo que ainda lhe pertencia legalmente. E agora?

    Você disse “O usucapião não é ação para declaração da aquisição de bens abandonados, mas sim para declaração da aquisição de bens de outrem.”
    Discordo nesse ponto. Na verdade, a usucapião é a aquisição de bens de outrem abandonados.
    “O usucapião, contudo, em qualquer hipótese, não representa um ataque ao direito de propriedade, mas um tributo à posse, pois, para ser possível o usucapião exige-se do possuidor posse por longo período, exercendo-se esse direito contra quem, embora tendo título de propriedade, abandonou o imóvel, deixando que outrem o ocupasse e lhe conferisse função social e econômica mais relevante.”
    http://tjsc25.tj.sc.gov.br/academia/cejur/arquivos/usucapiao_joao_jose_schaefer.pdf

    Você disse: Não importam: se o bem foi arrolado; tal ato não constitui oposição à posse (importante ter cristalina a diferença entre propriedade e posse); não há embasamento legal dessa condição da sobrepartilha, que não constitui requisito do usucapião.
    Como não? Se a usucapião ocorrer depois do inventário, conforme hipótese específica levantada por mim, é preciso fazer a sobrepartilha. Nenhum imóvel pode deixar de passar por esse trâmite, inclusive por questões tributárias.

    Outra questão:
    No caso específico trazido por Sakura, os herdeiros parecem ser menores. Como fica a questão em cada uma das hipóteses: 1- o direito à usucapião surgiu antes do falecimento de José, havendo inércia da interessada até a conclusão do inventário; 2- o direito à usucapião surgiu depois do falecimento de José?
  17. Fernando Zimmermann

    Fernando Zimmermann Administrador

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    Obrigado.

    Note que no caso do link, os réus da ação são justamente os possuidores. Assim, eles foram demandados em ação que visava a anulação de escritura pública, da qual os possuidores pretendiam utilizar como prova do justo título. Nesse caso, não há dúvida, a oposição foi contra a pretensão da usucapião.

    Situação bem diferente é a levantada pelo colega: pretender que o simples arrolamento do bem em inventário configura oposição à usucapião. No inventário os possuidores não integram a lide em qualquer dos pólos, e não são cientificados de qualquer forma sobre sua existência. Como dito anteriormente, o inventário visa apenas a transferência da propriedade do bem do de cujus aos herdeiros, e não constitui oposição à usucapião, eis que os possuidores sequer tomam parte ou são cientificados do processo.

    Não, na medida em que para poder se opor a algo você precisa primeiro saber da existência concreta do imóvel, e depois se opor em relação aos possuidores, notificando-os pessoalmente ou movendo ação contra eles. O simples fato de procurar um imóvel desconhecido não configura oposição, a qual deve atingir os possuidores.

    Porque a sentença na usucapião é declaratória, se aperfeiçoa mesmo antes da declaração. Vale dizer que mesmo antes de ter declarada a usucapião, o possuidor pode alegar a usucapião como matéria de defesa. Como disse antes de outra forma, não é só após a declaração do usucapião por sentença que o possuidor pode invocar o direito em juízo. A sentença apenas declara algo que já ocorreu faticamente.


    SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
    Súmula nº 237. O usucapião pode ser argüido em defesa.

    ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL
    Nº 315.
    Art. 1.241: O art. 1.241 do Código Civil permite que o possuidor que figurar como réu em ação reivindicatória ou possessória formule pedido contraposto e postule ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel, valendo a sentença como instrumento para registro imobiliário, ressalvados eventuais interesses de confinantes e terceiros.
    Essa situação é mais comum do que você imagina. Na usucapião ficará assim: C será o réu da usucapião, e A será o autor e contará todo o tempo em que está no imóvel a seu favor.

    O autor utilizou a palavra abandono no sentido vulgar, querendo significar nos termos do texto "deixando que outrem o ocupasse e lhe conferisse função social e econômica mais relevante."

    No Código Civil o abandono de propriedade tem o seguinte conceito:

    CÓDIGO CIVIL
    Art. 1275. Além das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade:
    [...]
    III - por abandono;
    [...]

    Art. 1276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.
    (grifei)
    No Código Civil abandonar significa não ter mais intenção de conservar o imóvel em seu patrimônio. Foi no sentido científico que me referi na postagem anterior.

    Um coisa é a situação em relação aos herdeiros, que farão sobrepartilha; outra é em relação ao possuidor que pretende a usucapião. Quanto a este, não há qualquer óbice à propositura da ação de usucapião se não houve inventário ou sobrepartilha.
  18. IRON LAW

    IRON LAW Membro Pleno

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    Sim, mas não se trata de ação possessória. Eu já vi textos em que essa expressão é praticamente um sinônimo de oposição.

    Veja a opinião de alguns advogados a respeito:

    “Pode haver usucapião de imóvel que esteja correndo Inventário e formal de partilha?”

    “Se o imóvel está sendo inventariado é porque os herdeiros estão interessado nele, portanto não há como usar o usucapião. Ele pode ser retomado pelos verdadeiros proprietários, mesmo que um só dos herdeiros o queira irá conseguir.
    O que pode ser feito é uma compra e venda.”

    “A meu ver um imóvel que esteja fazendo parte de um inventário pode, sim, fazer parte de um processo de usucapião, desde que o posseiro do imóvel tenha adquirido a propriedade do mesmo pelo decurso do tempo legal antes da abertura do processo de inventário.”
    http://forum.jus.uol.com.br/5065/

    No caso acima, são dois advogados respondendo a uma estudante. Conforme expus, penso como eles. Não por tecnicidade, mas por me parecer lógico.

    Eu não teria tanta certeza disso. Mas parece não haver nenhuma ação envolvendo situação análoga para tomar como exemplo.

    Poder fazer não significa que se vá fazer. Ter um direito não significa querer exercê-lo.

    Veja uma jurisprudência portuguesa:
    “I - A usucapião não conduz à aquisição automática do direito: trata-se de uma simples faculdade de adquirir atribuida ao possuidor, que, exercida, faz retroagir os efeitos à data do início da posse.”
    http://jurisprudencia.vlex.pt/vid/22816258

    É claro que não vou querer invocar regras estrangeiras para discutir o Direito brasileiro. Eu só trouxe o texto acima para me fazer entender. Cumpridos os requisitos para usucapir, o interessado pode ou não fazê-lo, não havendo que se falar em automaticidade. É preciso haver uma sentença (ou uma alegação em juízo do possuidor nesse sentido) que, aí sim, fará o direito do interessado retroagir até a data em que se efetivou a usucapião. O proprietário original não tem, de forma alguma, a obrigação de saber sobre o preenchimento dos requisitos da usucapião ocorrida em sua propriedade. Muito menos tem a obrigação de saber que, caso preenchidos os requisitos, o possuidor tem interesse em usucapir.

    Situação hipotética:
    A tem um imóvel e o fecha para ir morar em outro estado.
    B ocupa o imóvel e cumpre os requisitos para usucapir.
    A falece e seu filho, C, abre o inventário, arrolando o tal imóvel.
    B, que jamais entrou com uma ação de usucapião, falece na mesma época, deixando o filho, D, como herdeiro, que também arrola o bem no inventário de seu pai.

    Então vejamos:
    Se B não entrou com uma ação para demonstrar sua vontade de ver declarada a usucapião, ele simplesmente abriu mão desse direito. Olha novamente a baita confusão que vai dar.
  19. Fernando Zimmermann

    Fernando Zimmermann Administrador

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    Os colegas advogados citados por você são livres para terem sua opinião, é claro. Mas será sempre uma mera opinião, que não vincula as partes e não faz jurisprudência. Há que se ver se há validade jurídica na opinião esboçada, isto é, se reflete o que se vê na prática, nos casos submetidos à Justiça.

    A recente ementa abaixo é inequívoca:

    USUCAPIÃO CONSTITUCIONAL - Sentença de procedência - Prazo da usucapião perfectibilizado - Inventário não interrompe posse de terceiros - Posse ininterrupta, incontestada, contínua, mansa e pacífica - Ausência de medida interruptiva - Inteligência do art. 183 da Constituição Federal - Decisão mantida - Recurso não provido (TJSP - Ap 6187604300 - 5ª CDPriv. - Rel. Silvério Ribeiro - J. 11.02.2009)

    Transcrevo trecho do acórdão, o qual analisa a alegação de que a abertura de inventário interrompe a prescrição, de lavra do Desembargador do Tribunal de Justiça Silvério Ribeiro, seguido à unanimidade pelos Desembargadores Oscarlino Moeller e Oldemar Azevedo:


    Por outro lado, o fato de ter sido inventariado o imóvel usucapiendo também não afasta a posse dos autores, de vez que não houve qualquer providência da constestante para interromper a mesma.

    Os atos do inventário são declarativos e não atnbutivos de direitos, não tendo o condão de interromper posse de terceiros.

    Não há como acolher o apelo formulado pela ré-reconvinte, daí a confirmação da sentença.

    Em face do exposto, ao apelo é negado provimento.



    SILVÉRIO RIBEIRO
    Relator

    Desculpe, mas se isso não convencê-lo, então nada nunca o convencerá. Você é livre para manter sua opinião, é claro, mas sua opinião será apenas isso - sua opinião - e não um reflexo do que se vê na prática jurídica em julgamentos, tampouco o que os Tribunais dizem a respeito da questão.

    Arquivos Anexados:

  20. IRON LAW

    IRON LAW Membro Pleno

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    Fernando,
    Quem renova constantemente a jurisprudência são justamente os advogados. A Justiça apenas chancela novos entendimentos que se mostrem coerentes e pertinentes. Isso eu ouvi da boca de um professor desembargador. Se todos se resignarem com os posicionamentos dominantes de suas respectivas épocas, nada nunca mudará.

    A sociedade costuma viver momentos extremos antes de se equilibrar. Em uma determinada época, privilegia-se, por exemplo, o proprietário de forma radical. Mais adiante, entende-se que os possuidores não devem ser tratados como bandidos e eles começam a conquistar uma série de direitos, que também tendem a alcançar um ponto de exagero. Paulatinamente, vai-se equilibrando a situação em um patamar justo para ambas as partes. No momento, a balança parece pender cada vez mais para o lado do possuidor.

    Você citou um julgado que desqualifica o arrolamento em inventário como oposição à usucapião. Pode ser que tal entendimento seja majoritário; pode ser que não. Não sei afirmar, pois não lido com o assunto na prática nem estudei suficientemente o assunto. Mas digamos que seja. Fato é que existem advogados que vêem de forma diferente. O dia que integrantes desse grupo passarem a embasar suas opiniões de maneira bastante convincente, a jurisprudência pode começar a mudar.

    De qualquer forma, mesmo os advogados partidários de determinada corrente majoritária devem exercitar a defesa das vertentes minoritárias, pois nunca se sabe quais serão as necessidades de seus futuros clientes. O que você faria, por exemplo, se uma pessoa chegasse desesperada em seu escritório e lhe contasse a seguinte história: “doutor, meu pai me deixou uma casa em um lugar distante que eu julgava vazia. Eu estava contando com o dinheiro da venda dela para saldar uma série de dívidas, mas, dois anos após aberto o inventário, um fulano entrou com uma ação de usucapião e quer me tomar o que é meu”. Diria que a causa é impossível em virtude da jurisprudência dominante ou tentaria entabular um raciocínio que desse alguma chance àquela pessoa?

    Como eu disse em outro tópico, eu arco com um pensionamento 40% menor do que estaria pagando se não tivesse ingressado com uma ação que todos diziam impossível. Na contestação, li coisas do tipo: “o autor enveredou-se em uma aventura jurídica”, “o autor, com sua tese esdrúxula e sob o manto da JG, vem desperdiçar o tempo da Justiça com argumentos patentemente contrários à jurisprudência unânime sobre o tema”, etc. Só sei que minha “aventura” me desvinculou do “salário-mínimo” há anos - quando ninguém sequer sonhava em propor algo do gênero - me salvou de um mar de dívidas e, quem sabe, de algumas prisões. Há algum tempo, perguntei aos colegas foristas sobre a competência para partilha posterior ao divórcio. Para mim, era muito mais conveniente a Vara de Família. Na primeira audiência, o juiz só faltou me chamar de maluco. Disse que só ia olhar o processo porque estava com ele em mãos, mas que ia declinar para a Vara Cível após a apreciação do MP. Eu abri um tópico no fórum e TODOS disseram que o certo era mesmo a Vara Cível. E que eu corria o risco de enfrentar uma nulidade absoluta no futuro se insistisse em dar murro em ponto de faca. O MP estava com o juiz. Depois de meses, mudou de opinião. Finalmente, o juiz resolveu que a Vara competente é mesmo a de Família. Eu poderia citar outros casos, como astreintes em visitação, possibilidade que defendo há tempos e que já consegui na prática (ainda que efemeramente). Mas penso já ter mostrado meu ponto.

    Voltando ao caso do Inventário X Usucapião, dependendo dos detalhes do caso concreto, eu provavelmente o aceitaria. Eu seria sincero sobre as reais possibilidades de sucesso, estudaria profundamente o assunto e me empenharia ao máximo na lide.

    Abraços.
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