Condomínio Edilício

Discussão em 'Artigos Jurídicos' iniciado por Fernando Zimmermann, 08 de Junho de 2004.

  1. Fernando Zimmermann

    Fernando Zimmermann Administrador

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    CONDOMÍNIO EDILÍCIO
    REDUÇÃO DA MULTA DE 20% PARA 2%


    Fernando Henrique Guedes Zimmermann
    Advogado e Pós-Graduando em Direito Civil e Direito Processual Civil pela ITE



    O Código Civil de 2.003 inovou ao dispor no parágrafo primeiro do artigo 1.336 que a multa em caso de atraso no pagamento das despesas condominiais será de até dois por cento sobre o valor do débito.

    Antes da vigência do atual Código, referida multa tinha por limite máximo a cota de vinte por cento sobre o valor devido pelo condômino inadimplente. Diante da inovação legal, ampla batalha jurídica tem sido travada nos tribunais, sem, no entanto, haver uma posição definida quanto a qual deverá ser o valor aplicado na prática.

    O problema reside no fato de o atual Código não ter revogado, de forma expressa, a lei n.º 4591/64, que era a que dispunha, de forma exclusiva, sobre os condomínios em edificações e incorporações imobiliárias. Com efeito, até a edição do Novo Código Civil era patente a aplicação do § 3º do artigo 12 da supracitada lei, o qual estipulava a multa de até 20% sobre o débito. Com a nova disposição legal, limitando a multa em 2%, restou uma lacuna quanto às situações em que deve ser a lei nova aplicada. O novo patamar está no bojo do Código, não entanto, tem-se que a lei anterior não revogada.

    É sabido que lex posterior derogat priori, razão pela qual devem ser aplicado os critérios da lei mais recente às convenções condominiais entabuladas a partir da data em que entrou em vigência o Novo Código Civil. No entanto, nas convenções já existentes, a matéria é nebulosa.

    A convenção já existente é ato jurídico perfeito, protegido nos termos do inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal. Além disso, tem-se que a lei n.º 4.591/64 não foi expressamente revogada, tal como se observa do artigo 2.045 do Novo Código. Analisando-se somente sob esse ponto de vista, é de concluir-se que, nestes casos, pode ser aplicada a multa de 20%, se a convenção assim o permitir.

    No entanto, quer nos parecer que não é este o caso. Mesmo não tendo sido revogada expressamente, não deve ser utilizado disposto na lei 4.591/64. Quando o Código foi publicado, o legislador não fez qualquer ressalva quanto à aplicabilidade do artigo 1.336, razão pela qual deve-se entender ter aplicação imediata, inclusive nas convenções já firmadas.

    Além disso, certo é que, mesmo não tendo sido revogado expressamente, o disposto no § 3º do artigo 12 da lei n.º 4.591/64 é diametralmente oposto ao conteúdo do § 1º do artigo 1.336. A integralidade de uma lei não ter sido revogada é uma coisa, mas manter os efeitos de dispositivo contido em lei antiga, desconsiderando a lei nova é inadmissível. O que não foi regulado pelo atual Código pode e deve manter vigência, mas as partes expressamente disciplinadas pela lei nova revogam as disposições anteriores.

    Vale dizer ainda que ato jurídico perfeito é aquele que já se consolidou no espaço e no tempo. A parte da convenção que dispõe sobre a aplicação da multa somente será aplicada em caso de inadimplemento do condômino, razão pela qual depende ainda de evento futuro e incerto. Pode-se dizer, portanto, que esta parte da convenção não está consolidada no tempo, depende da ocorrência do inadimplemento. Resta concluir que a convenção é um ato jurídico perfeito, mas não em cláusulas que dispõem sobre eventos futuros, como é o caso da multa.

    Logo, ocorrendo o inadimplemento após a entrada em vigor do Novo Código, deve-se aplicar a multa de 2% tão somente. E isto se dá em razão de não poder existir dois dispositivos disciplinando a mesma matéria, especialmente se ambos somente diferem nos parâmetros utilizados para a aplicação de multa. É certo que a lei não foi revogada expressamente, mas também é certo que a lei mais nova revoga a anterior, e em especial, existindo dois artigos com os mesmos dizeres, diferindo somente em sua explanação quantitativa (quantum devido), deve o mais novo prevalecer.

    Frise-se também que a convenção é um ato jurídico perfeito, desde que não contenha cláusulas que extrapolem a data de sua celebração, como é o caso da multa, que somente será devida quando o inadimplemento ocorrer, isto é, a qualquer tempo. Como bem se observa, a qualquer tempo é diferente de agora. Logo, a convenção que prevê a multa de 20% por inadimplemento continha cláusula voltada para o futuro. Não se pode afirmar se tratar tal cláusula de ato jurídico perfeito, eis que seus efeitos se projetam para frente, não sendo perfeito o que ainda não ocorreu.

    Dispõe a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 6º, § 1º, que “reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”. A imposição de multa não se consuma até que o condômino torna-se inadimplente, o que pode ocorrer a qualquer momento. Como se vê, se o inadimplemento ocorrer após a entrada em vigor do Novo Código, tem-se que o ato somente se consumará nesta data, portanto, não é ato jurídico perfeito já consumado sob a égide da lei anterior. Desta forma, qualquer inadimplemento condominial ocorrido após a entrada em vigor do Novo Código deve ser pautado pelas novas disposições legais, devendo ser aplicada a multa no patamar de 2%.
  2. Advogado-SP

    Advogado-SP Visitante

    Olá!

    Administrador, essa é uma questão que ainda não se fixou nos tribunais, e qualquer tese nova é bem-vinda.
  3. Visitante_Deborah

    Visitante_Deborah Visitante

    :rolleyes: Bom dia a todos!
    No que se refere a porcentagem de multa, a lei deixou uma brecha para que cada condomínio convencione sua porcentagem.
    O desacordo deveria ser discutido e votado pelos condôminos , antes de uma inadimplência, evitando assim deixar a critério somente da justiça a decisão referida.
    Existe também entendimento majoritário que diante de leis novas, antigas são revogadas automáticamente, sendo assim, na minha opinião, uma vez que não houve concordância na convenção, deve-se aplicar o direito em sua forma atual, usando o NCC.
  4. Chacal

    Chacal Visitante

    Minhas pesquisas indicaram que a lei de 1964 fixou a multa de 20% por um motivo muito simples: a inflação projetada para aquele ano era de aproximadamente 100% e não havia sido criada a correção monetária. (sobre a projeção de inflação e detalhes daquele ano, ver Roberto Campos - a lanterna na popa; sobre a correção monetária, ver o livro de Roberto Simonsen, com este título)
    Ora, sem ter como atualizar os débitos, por inexistir a correção, "meteram" na lei a "multa" de 20%, que tinha por objetivo, é óbvio, fazer as vezes da c.m.

    Após instituída a correção, foi mantida a "multa", a meu juízo indevidamente, posto que sua função anterior era a de atualizar o débito, e não de apenar o devedor. Mas, os tribunais não darão bola a isso.

    Miguel Reale, por ser famoso, obteve êxito com tese análoga à minha. O C.C de 16 autorizava a rescisão do contrato de locação quando o inquilino derrubasse parede do imóvel locado. O cliente de reale, locatário de renomado ponto comercial, derrubou uma parede interna para melhor acomodar os clientes e foi alvo de processo de rescisão, pelo motivo em tela.

    Reale argumentou que, quando da feitura do código, na década de 10, as paredes tinham função de sustentação estrutural. Com a evolução da engenharia, foram criadas paredes com mera função de divisão. O legislador de 16 teve em mente, quando da edição do C.C, a preservação das paredes de sustentação. As paredes de divisão poderiam, portanto, ser demolidas sem ensejar a rescisão do contrato. Ao inquilino haveria apenas a obrigação de recontruí-las ao término do vínculo. Reale ganhou a causa, e a utiliza para exemplificar a sua teoria tridimensional do direito. O objeto da ciência jurídica é tríplice: fato, valor e norma. Muitas vezes, inovações no cenário fático, não previstas pelo legislador, devem ensejar a reinterpretação das normas pelo julgador, com vistas a que se atinja a justiça.

    O caso da lei de 64 é, mutatis mutandis, idêntico: com a criação da correção monetária, a multa de 20% perdeu sua razão de ser, que era a de preservar o valor do débito dos corrosivos efeitos da elevada inflação da época.

    Se Reale dissesse isso, talvez os juízes dessem atenção.
  5. Fernando Zimmermann

    Fernando Zimmermann Administrador

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    São Paulo
    Muito interessante seu estudo Chacal, será de muita valia em ação a ser proposta em data próxima. Agradeço ter dividido o conhecimento com o grupo.
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