Do Empréstimo Consignado

Discussão em 'Artigos Jurídicos' iniciado por Fernando Zimmermann, 30 de Março de 2012.

  1. Fernando Zimmermann

    Fernando Zimmermann Administrador

    Mensagens:
    1,557
    Sexo:
    Masculino
    Estado:
    São Paulo
    Do Empréstimo Consignado

    Fernando Henrique Guedes Zimmermann
    Advogado
    Pós-Graduado Lato Sensu em Direito Civil e Direito Processual Civil pela ITE - Bauru
    Professor na Faculdade de Agudos - FAAG


    Sumário:
    1. Introdução;
    2. Da Natureza Alimentar do Salário;
    3. Da Precariedade da Autorização do Desconto em Folha;
    4. Da Margem Consignável;
    5. Conclusões;
    6. Referências.



    1. INTRODUÇÃO.

    De acordo com estudo do Fundo Monetário Internacional¹ conduzido por brasileiros, é consenso que as taxas de juros bancários no Brasil são extremamente altas, inclusive se comparadas aos países vizinhos; o motivo, no entanto, é objeto de intensa disputa na literatura econômica.

    O fato é que, qualquer que seja a causa, essa alta taxa de juros limita o crédito ao consumidor, o qual terá que pagar muito, mesmo por pequenos empréstimos tomados para saldar débitos domésticos, o que resulta em uma alta inadimplência.

    Como uma tentativa de diminuir sua inadimplência, os bancos brasileiros introduziram o sistema de empréstimo consignado, que é um mútuo bancário com dedução em folha de pagamento. Nesta modalidade o próprio salário ou proventos de qualquer natureza é a garantia de pagamento da dívida. O consumidor bancário autoriza o banco a efetuar deduções mensais em seu salário, sob a promessa de juros mais baixos e dispensa de outras garantias creditícias.

    Relatório do Banco Central² informa que em abril de 2010 o volume de operações de crédito consignado em folha de pagamento atingiu R$118,8 bilhões, elevando-se 8,2% no trimestre e 37,7% em doze meses, e passou a representar 60% da carteira de crédito pessoal, ante 54,2% em igual mês do ano de 2009.

    A Associação Comercial de São Paulo³ noticiou que em março de 2010 o empréstimo consignado foi responsável pela inadimplência para 63% dos entrevistados. Conclui ainda dizendo que "em síntese, o consignado até 2008 ajudava a renegociar dívidas e hoje é responsável por fazer novas dívidas, refletindo – novamente – a facilidade de obter crédito".

    O problema do crédito consignado reside no quanto pode ser comprometido mensalmente do salário ou proventos do cliente do banco. É esta a abordagem jurídica deste trabalho.


    2. DA NATUREZA ALIMENTAR DO SALÁRIO.

    Em nosso sistema jurídico o salário tem natureza alimentar, o que significa que não pode ser retido ou descontado na fonte. A única exceção é para o pagamento de pensão alimentícia, quando autorizada pelo juiz. É tão protegido o salário em razão de sua natureza alimentícia que somente é permitido o desconto em folha quando a verba também tiver caráter alimentar (pensão aos filhos). E como não há caráter alimentar na cobrança dos bancos, eis que visam meramente o lucro, os descontos não podem ser realizados.

    Os contratos de adesão celebrados com o consumidor que permitem o desconto em folha são escorados em cláusulas contratuais que expressamente autorizam a medida. No entanto, não é o simples fato de uma cláusula estar ou não inserida em um contrato que faz dela lícita ou ilícita. Seu fundamento não pode ser defeso em lei, e seu objeto não pode ilícito.

    Nem se alegue, por outro lado, que, a partir do momento em que o salário é creditado na conta corrente, deixa de ter caráter de verba alimentar, passando a integrar o saldo. O fato de ser creditada tal verba em conta corrente não elide sua natureza alimentar, de maneira que nenhum ônus pode sobre ela incidir. É vedada, portanto, qualquer compensação do salário do consumidor com o débito relativo às prestações dos contratos de empréstimo firmados com banco.

    Além disso, certo é que o vencimentos são a fonte de sustento do indivíduo e sua família, e atento a este fato, o Constituinte originário fez inserir no bojo da Carta Magna a proibição suprema de sua retenção dolosa:

    CONSTITUIÇÃO FEDERAL
    Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
    [...]
    X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;

    Nessa linha, nosso Código de Procedimentos declara a impenhorabilidade dos salários e, em geral, das quantias destinadas ao sustento do consumidor e sua família:

    CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
    Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:
    IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo;

    Além da vedação de ordem Constitucional e a decorrente de lei Federal citadas, os funcionários públicos civis da União possuem proteção complementar, como se observa:

    ESTATUTO DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS CIVIS DA UNIÃO
    DECRETO-LEI N.º 1.713/39
    Art. 106. É proibido, fora dos casos expressamente consignados neste Estatuto, ceder ou gravar vencimentos e quaisquer direitos decorrentes da posse ou do exercício de função ou cargo público, bem como outorgar, para esse fim, procuração em causa própria ou com poderes irrevogáveis.

    Disposição idêntica se observa em leis estaduais, protegendo de forma complementar praticamente os funcionários públicos de todas as esferas, a exemplo do Estado de São Paulo:

    ESTATUTO DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS CIVIS DO ESTADO-SP
    LEI DO ESTADO DE SÃO PAULO N.º 10.261/68
    Artigo 114 - É proibido, fora dos casos expressamente consignados neste Estatuto, ceder ou gravar vencimento, remuneração ou qualquer vantagem decorrente do exercício de cargo público.

    A vontade do particular, apesar de ampla, não pode prevalecer sobre a vontade da lei. E esta, inegavelmente, visa proteger as verbas de caráter alimentar. Ilegal, pois, cláusulas contratuais que permitam ao banco lançar mão dos salários do consumidor em patamar abusivo para a quitação das parcelas decorrentes dos contratos de empréstimo, desde quando há oposição manifestada.


    3. DA PRECARIEDADE DA AUTORIZAÇÃO DO DESCONTO EM FOLHA.

    Com os descontos em folha na conta do consumidor que se opõe à medida, há o desrespeito às instituições democráticas consagradas Constitucionalmente, notadamente a garantia do Devido Processo Legal e Dignidade da Pessoa Humana. Qualquer credor que queira obter a execução forçada de seus créditos deve socorrer-se ao processo de execução, onde o devedor tem a oportunidade de defender-se. No caso dos descontos em folha, o banco exibe abuso manifesto de direito, bem como exercício arbitrário das próprias razões.

    As normas que protegem possuem o salário constituem direito indisponível, calcado em regras de direito público.

    Os descontos em folha são legais apenas enquanto respeitada a margem consignável; ou, se superior a 30% dos vencimentos líquidos, apenas enquanto haja concordância do consumidor. Nesta última hipótese, ainda que inicialmente tenha o consumidor autorizado o desconto em folha de pagamento, é necessário a sua concordância também na execução do contrato. O desconto em folha que ultrapasse o limite de 30% é permitido apenas enquanto houver a anuência do devedor. Com sua oposição, haverá ato unilateral e ilegal do banco.

    Assim, a autorização dada pelo consumidor, autorizando retenções em sua conta, é dada em caráter precário, podendo ser revogada a qualquer tempo, tendo em vista amparar direito indisponível, consubstanciado no direito à subsistência, além de o salário ter natureza alimentar e ser impenhorável.


    4. DA MARGEM CONSIGNÁVEL.

    A lei relativizou a impenhorabilidade do salário, permitindo que as operações de empréstimo consignado com desconto em folha de pagamento sejam permitidas até o limite de 30% (trinta por cento) da remuneração dos servidores públicos federais civis (art. 8º do Dec. 6.368/08, que regulamentou o artigo 45 da Lei 8.112/1990), e para os beneficiários da previdência social e demais trabalhadores (art. 2º, §2º, da Lei nº 10.820/03).

    LEI N.º 10.820/03
    Art. 1o Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos.
    § 1o O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil, até o limite de trinta por cento.

    Desta forma, apenas 70% (setenta por cento) da remuneração é absolutamente impenhorável. Empréstimos bancários com desconto em folha podem ser efetuados dentro desse patamar, porém ficam submetidos à hipótese de precariedade prevista no item anterior.


    5. CONCLUSÕES.

    I. O salário possui natureza alimentar e é impenhorável. A remuneração de contratos de empréstimo feitos com bancos visa apenas o lucro, não ostentando tal distinção.

    II. A impenhorabilidade do salário decorre da lei e não pode ser modificada por vontade das partes.

    III. O fato de o salário ser creditado em conta corrente não lhe retira sua natureza alimentar, de maneira que nenhum ônus pode sobre ele incidir.

    IV. Os descontos em folha são plenamente legais apenas enquanto respeitada a margem consignável de 30% (trinta por cento) da remuneração líquida do consumidor.

    V. Os descontos em folha superiores a 30% dos vencimentos líquidos decorrem de autorização precária e são legais apenas enquanto haja concordância atual do consumidor. Com sua oposição haverá ato unilateral e ilegal do banco, configurando exercício arbitrário das próprias razões e violador dos princípios do Devido Processo Legal e da Dignidade da Pessoa Humana.

    VI. Caso seja ultrapassado o limite consignável, e haja oposição do consumidor desrespeitada pelo banco, é possível a apuração de indenização por danos.

    VII. Eventual ação versará apenas e tão somente quanto à ilegalidade da forma de pagamento da dívida. Reconhecida a ilegalidade do desconto em folha, nada impede, por outro lado, que os bancos lancem mão da via judicial para recuperarem o seu crédito.



    6. REFERÊNCIAS.

    ¹ BACHA, Edmar L., HOLLAND, Márcio, e GONÇALVES, Fernando M.. "Is Brazil Different? Risk, Dollarization, and Interest Rates in Emerging Markets". IMF Working Paper.
    Disponível em Acesso em: 27 de julho de 2010.

    ² Banco Central do Brasil. Relatório de Inflação - Junho 2010. Disponível em Acesso em: 27 de julho de 2010.

    ³ Associação Comercial de São Paulo. "Cai o uso dos consignados". Disponível em Acesso em: 27 de julho de 2010.
    Denis Caramigo curtiu isso.
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