MS para ter acesso autos de inquérito sob sigilo

Discussão em 'Modelos de Petições' iniciado por Visitante_Eisenhower, 14 de Março de 2006.

  1. Advogados conseguem cassar proibição de acesso a autos
    O juiz da 8ª Vara Federal Criminal, da Subseção Judiciária de São Paulo, Peter de Paula Pires, baixou a Portaria nº 16/2004, que proíbe o acesso de advogados e de partes interessadas aos autos de processos sob “sigilo absoluto”. Advogados de São Paulo, inconformados com a regra, entraram na Justiça e tiveram o pedido atendido. O desembargador André Nabarrete Neto, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, cassou a portaria do juiz.

    O Mandado de Segurança, assinado pelos advogados Luiz Flávio Borges D’Urso, Mário de Oliveira Filho, José Roberto Batochio e Paulo Sergio Leite Fernandes, foi embasado no artigo 5º, inciso LXIX da Constituição Federal, na Lei nº 8.906/94, em especial no artigo 7°, incisos XIII e XIV e na Lei nº 1.533.

    Segundo eles, o ato do juiz é “francamente violador de direito líquido e certo dos profissionais da advocacia”, a quem é assegurado o “acesso pleno (aos autos), mesmo na hipótese do decreto de segredo de justiça”. Para os advogados, o veto à vista do processo suprime e restringe a ampla defesa e o “contraditório que a Constituição fez questão de assegurar”.

    Segundo Nabarrete, a OAB tem razão “quanto ao direito de ter acesso aos feitos sigilosos, com as devidas procurações outorgadas pelos investigados ou indiciados”. O desembargador afirmou, ainda, que o advogado é indispensável à administração da Justiça.


    Leia íntegra do Mandado de Segurança


    Excelentíssima Senhora Doutora Desembargadora Federal Presidente do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Prevenção: Des. Federal RAMZA TARTUCE ,

    Proc.2004.03.00.052802-2 (MS 263292).

    06670-3

    Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, com sede na Praça da Sé número 385, nesta Capital, neste ato representada pelos advogados Luiz Flávio Borges D’Urso, Mário de Oliveira Filho, José Roberto Batochio e Paulo Sergio Leite Fernandes, todos brasileiros, casados, inscritos em seus quadros sob os números 69.991, 54.325, 20.685 e 13.439, respectivamente, todos localizáveis no endereço já declinado, onde recebem intimações (Doc. I), impetra MANDADO DE SEGURANÇA, pleiteando MEDIDA LIMINAR, contra ato do Meritíssimo Juiz Federal da Oitava Vara Federal Criminal, da Subseção Judiciária de São Paulo, Doutor PETER DE PAULA PIRES, aqui autoridade coatora, em razão dos fatos e jurídicos fundamentos em frente alinhados:

    Liga-se a impetração a outra, sob número 2004.03.00.052802-2 (MS 263292), distribuída à eminente Desembargadora Ramza Tartuce e pela mesma apreciada, concedida liminar. Daí a pretensão primeira a que se distribua o feito, pro prevenção, àquela magistrada, para apreciação e, se assim entender, repetição da garantia preliminar outorgada àquele “writ”.

    Cuidando-se de mandado de segurança coletivo, aquele já mencionado teria, segundo a melhor doutrina, eficácia “erga omnes”. Vale a pena, com extrema síntese, transcrição de Ada Grinover: “Diante do que foi dito, parece inquestionável que o legislador poderia legitimamente determinar a extensão subjetiva do julgado, ultra partes ou arga omnes, sempre que se tratasse de ações coletivas em que a adequação da representatividade pudesse ser criteriosamente aferida. Não haveria aí nenhuma ofensa aos princípios constitucionais, e o legislador – como faz o norte-americano – ainda poderia valer-se, além dos cuidados com a indispensável, ampla informação, de outras cautelas, como a possibilidade de intervenção individual e a exclusão, da coisa julgada, dos interessados que a requeressem. Em seguida: Diante disso, a solução para a fixação dos limites sbubjetivos do julgado no mandado de segurança coletivo – a única admissível da constitutione lata e também a melhor de lege ferenda – parece ser a adoção da coisa julgada secundum eventum lits (Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, dez. 1989, página 20).

    Independentemente disso, a impetrante não quer levar à perplexidade a interpretação do instrumental adequado à satisfação do preceito. Daí a impetração de outro mandado de segurança, visando solução igual mas com autoridade coatora diferente, restando idêntica e garatriz. A eminente relatora dará à circunstância o enfoque que preferir, bastando, se e quando pretender a simplificação, estender ao Juízo da 8ª Vara Criminal Federal os efeitos da liminar deferida contra a autoridade judiciária da 4ª Vara Criminal Federal.

    Os fatos e fundamentos jurídicos vão alinhados:

    Síntese dos Fatos

    Na conformidade do que ficou publicado no DOE-JUSTIÇA, Caderno 1, Parte II, página 42, edição de 14/09/2004, a douta Autoridade impetrada, no uso de suas atribuições e “considerando a necessidade de disciplinar a consulta de autos em Secretaria e a extração de xerox de cópias mecânicas ou eletrônicas (escanear)” fez editar a PORTARIA N.º 16/2004, em que busca sistematizar essa matéria (doc. 2).

    Ali, dentre outros temas, recebeu tratamento normativo o acesso dos advogados constituídos pelos investigados (ou indiciados) em “feitos com sigilo absoluto” (sic), contemplado esse novel instituto processual em cotejo com outras quatro modalidades procedimentais, quais sejam, “processos sigilosos”, “inquéritos sigilosos”, “processos não sigilosos” e “inquéritos não sigilosos” (cf. doc.2).

    Ponha-se em destaque, para logo, a ”criação” dessa inusitada figura processual do “feito com sigilo absoluto”, não figurante da nossa legislação processual penal. Aliás, segundo a Constituição da República, compete exclusivamente à União (Congresso Nacional) legislar sobre direito processual penal (artigo 22, inciso I, da Lei Máxima).

    Não se sabe ao certo o que são esses “feitos com sigilo absoluto”, mas, sejam o quer que forem, a verdade legal e inarredável é que a eles não se poderá negar acesso aos advogados constituídos pelas pessoas que ali figurarem como investigadas ou indiciadas. Di-lo, sempre e sempre, a lei.

    Nada obstante, no ato hostilizado a digna Autoridade Judiciária impetrada dispôs:

    VI - “Feitos com sigilo absoluto não poderão ser consultados em hipótese alguma, mesmo pelos investigados e seus procuradores, quando houver decreto nos autos, permitindo-se o acesso apenas às pessoas investidas em cargo público diretamente relacionadas com a investigação.(sic)

    Atecnia legislativa e incompetência constitucional para criar institutos processuais penais à parte, o certo é que nessa Portaria nº 16/2004 a ilustrada Autoridade impetrada “resolve determinar” (sic) que fica proibido o profissional da advocacia, devidamente constituído pelo investigado, de compulsar os autos desses “feitos com sigilo absoluto”.

    O ato é francamente violador de direito líquido e certo dos profissionais da advocacia. Investigações e feitos secretos, restrições ao direito de defesa, cerceamento da aferição de legalidade pelo advogado do interessado, são recaídas autoritárias que se não harmonizam com o regime de liberdades que a Carta Política de 1988 instituiu. Segue a demonstração.

    2 – DA PERTINÊNCIA SUBJETIVA PARA O MANDAMUS E DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

    Como não se deveria ignorar, a advocacia tem assento constitucional e estratifica função pública (exercida, embora, em ministério privado), essencial à execução da tarefa jurisdicional do Estado.

    O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

    (art. 133 da CF)

    A Lei Federal nº 9.806, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da advocacia e da OAB), dispõe, em seu artigo 7º:

    “São direitos do advogado:

    XIII – examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos; XIV – examinar em qualquer repartição policia, mesmo sem procuração, autos de flagrante e inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos.

    Vê-se, pois, que o advogado tem assegurado na lei o direito de examinar autos de qualquer natureza sem procuração, ressalvados, nesta hipótese, apenas os que estejam sob sigilo. Com procuração do interessado (ou investigado), porém, o acesso é pleno, mesmo na hipótese do decreto de segredo de justiça, seja qual for o nome que a este se dê.

    É que a lei hierarquicamente inferior não poderia afrontar ou reduzir os princípios reitores do contraditório e da defesa ampla, matrizes nobres fixadas na Lex Legum (cf. artigo 5º, inciso LV, da Charta Magna).

    Tal seria se, em um feito em que foi decretado o sigilo, sobreviesse imposição dessa famigerada prisão temporária (famigerada porque prende antes e investiga depois alguém que deve ser presumido inocente). Verdadeiro cheque em branco entregue à polícia, sacado contra o status libertatis. Como o cidadão que sofreu a supressão do seu direito de liberdade poderia demonstrar o desacerto do decreto da custódia processual se não lhe é dado sequer conhecer os termos e os fundamentos do édito aflitivo?


    Mais se avoluma a crítica se a prisão for arbitrária, ilegal, abusiva, fruto de perseguição pessoal. Não haveria forma de combatê-la perante a superior instância.

    Depreende-se que a lei ordinária não poderia suprimir ou restringir a defesa ampla e o contraditório que a Constituição fez questão de assegurar. Por isso que o preceito do artigo 7º, inciso XIII, da Lei 9.806/1994 deve ser interpretado, sistematicamente, segundo a Lei Maior. Se não, poderia negar o mandamento constitucional, que - destaque-se - consubstancia cláusula pétrea.

    Nessa ordem de idéias, aflora a legitimatio ad causam da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, para arrostar o desrespeito ao direito do livre exercício da advocacia e a violação de preceito do seu Estatuto. Para tanto, a via adequada é o ajuizamento do presente writ, a teor do permissivo do artigo 49 da Lei da Advocacia e da OAB, verbis:

    Art. 49 Os Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB têm legitimidade para agir, judicial e extrajudicialmente, contra qualquer pessoa que infringir as disposições ou os fins desta Lei.

    Parágrafo único. As autoridades mencionadas no caput deste artigo têm, ainda, legitimidade para intervir, inclusive como assistentes, nos inquéritos e processos em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos, os inscritos na OAB.

    Também o Excelso Supremo Tribunal Federal reconhece a pertinência subjetiva do Órgão Oficial de Classe (como o é a OAB/SP), em casos que tais, consoante entendimento pacificado e sumulado:

    Súmula 630. A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria.

    Concorrente esse pressuposto, frisa-se que o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil – que é Lei Federal – não fala em suspeito, indiciado ou réu, e assegura ao advogado – enquanto defesa técnica constituída – o direito insonegável de examinar autos de qualquer processo em qualquer órgão do Poder Judiciário ou repartição policial, deles podendo extrair cópias.

    De outro bordo, o artigo 6º, parágrafo único, do Diploma Legal da Advocacia e da OAB preceitua:

    As autoridades, os servidores públicos e os serventuários da Justiça devem dispensar ao advogado no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho.

    Obviamente que tais prerrogativas não foram estabelecidas pelo legislador por mero capricho ou sofisticação; antes, encarnam a vontade geral da Nação e visam a assegurar ao cidadão o direito de defesa, na forma mais ampla possível, conforme norteiam os artigos 5º, incisos II, XXXV, e LV, 93, inciso IX, e 133 do Estatuto Supremo:

    Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

    A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

    Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

    Todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade...

    O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

    Como se vê, com a proibição do acesso dos advogados constituídos aos autos de “feitos com sigilo absoluto”, a Autoridade impetrada está a violar direito líquido e certo dos profissionais da advocacia, que têm garantidas, na Lei Fundamental e no ordenamento jurídico ordinário, franquias relativas ao livre exercício dessa função pública essencial à jurisdição, e atinentes ao direito de examinar e de copiar autos (artigo 7º, inciso XIII, da Lei Federal nº 8.906/94).


    Como o direito violado é líquido e certo, não amparado por habeas corpus, a espécie rende ensejo a este mandamus, cuja decisão se exibe simples em face da certeza do direito e da prova plena da violação.


    Daí a eleição à via heróica, para restabelecer o direito violado e o império da lei.


    3 – DA PROVA DA VIOLAÇÃO DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO E DA PERTINÊNCIA DA VIA ELEITA.

    O incluso documento (doc.2) demonstra, à exuberância, a realidade de que a Autoridade coatora violentou sagradas prerrogativas dos advogados proibindo, expressamente, que estes examinem autos em que seus constituintes são apontados como possíveis autores de ilícito penal, mesmo que por decisão ali proferida se achem presos...

    Não se cuida de mera alegação, senão de violência cabalmente comprovada. Ora, o direito de examinar tais autos decorre da letra da lei.

    Armado assim o silogismo jurídico, a conclusão é de que a Impetrada se acha a violar direito líquido e certo da classe dos advogados.

    Dispõe a Lei Fundamental em seu artigo 5º, inciso LXIX:

    LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

    Regulamentando e disciplinando a disposição constitucional programática, a Lei nº 1.533, de 31 de dezembro de 1951, recepcionada, em seu artigo 1º, ordena:

    Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas corpus”, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, alguém sofrer violação ou haver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

    É, precisamente, o caso dos autos: a Autoridade violou, por abuso de poder, o direito dos inscritos nos quadros da Impetrante de exercerem livremente a sua profissão e de examinarem os autos de “feitos com sigilo absoluto”.


    Bem se ajusta à espécie artigo intitulado “QUEM TEM MEDO DA PUBLICIDADE NO INQUÉRITO?”, da lavra de ALBERTO ZACHARIAS TORON e MAURIDES DE MELO RIBEIRO, publicado no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais:

    ...a Lei nº 8.906/94, no seu art. 7º, inc. XIV, é clara e, antes dela, o estatuto anterior (Lei n.º 4.215/63), igualmente o era. Constitui direito do advogado “examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito..., podendo copiar peças e tomar apontamentos;”.

    Ante a clareza da lei é evidente que a restrição que se quer impor aos advogados que representam indiciados ou meros investigados, isto é, de examinar e extrair cópias de parte dos autos, mais que odiosa, é patentemente ilegal.

    De fato, se a lei assegura aos advogados o direito de poder ver os autos e copiar o que for importante, tal se encarta dentro de uma garantia maior que é a da ampla defesa. Sim, porque não se pode exercer esta sem que se conheçam os autos. Afinal, se dentro de um inquérito for determinada de forma abusiva um indiciamento ou, por outra, decretar-se a prisão de um cidadão, como irão os advogados hostilizar eventual coação se não podem ter acesso ao feito? Isto para não falar em toda sorte de abusos que se podem cometer em matéria de colheita de provas ou indícios.

    Não é à toa que Fauzi Choukr, promotor de Justiça em São Paulo, na monografia que lhe valeu a obtenção do título de Mestre pela Universidade de São Paulo em Direito Processual Penal, com propriedade adverte: “... dentro de um Estado democrático não há sentido em se falar de ‘investigações secretas’, até porque, na construção do quadro garantidor e na nova ordem processual acusatória, deve o investigado ser alertado sobre o procedimento instaurado” (Garantias Constitucionais na Investigação Criminal”, SP, ed. Revista dos Tribunais, 1995, p. 92)...

    ...Até mesmo a famigerada Lei do Crime Organizado, que na obstinada pretensão de salvaguardar dados sigilosos, de forma inédita, prevê a realização de diligências pessoais pelo magistrado, assegura ao advogado constituído acesso aos autos (art. 3º, § 3º).

    Na verdade, quando se garrotearem as prerrogativas profissionais dos advogados, atinge-se exatamente a garantia constitucional da ampla defesa em razão da falta de conhecimento do conteúdo de diligências ou atos praticados nos autos do inquérito policial, bem como o não acompanhamento regular dos inquéritos policiais. E o direito à ampla defesa, remarque-se, está constitucionalmente previsto, inclusive na fase pré-processual (art. 5º, inc. LV). O que está em jogo não é apenas o interesse corporativo, mas, na verdade, cuida-se de resguardar, dando vida à garantia constitucional da ampla defesa, o cidadão.

    Tudo isso já seria mais do que suficiente para responder a todos aqueles que pensam em restaurar o sigilo absoluto do inquérito, tal como uma das odiosas regras das investigações promovidas pela Santa Inquisição. Ainda assim, há sempre quem possa defender o sigilo para que se viabilizem as investigações. Esta idéia chega a sugerir, ainda que obliquamente, a prática de crime no exercício da Advocacia, ou, por outra, um inadmissível desconhecimento do que significa o seu exercício. Aliás, considerando que a determinação de diligências normalmente é verbal e só são reduzidas a termo depois de efetivadas, convém perguntar-se: se forem lícitas as providências desencadeadas, por que escondê-las?

    (Boletim IBCCrim nº 84, págs. 13/14 – Novembro/99 – grifamos)

    Em sentença proferida nos autos do mandado de segurança impetrado contra ato violador das prerrogativas profissionais do advogado, decidiu o M.M. Juiz de Direito Dr. ANDRÉ ANDREUCCI, em decisão confirmada à unanimidade de votos pelo Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo:

    Nenhum inquérito policial marcado pela arbitrariedade da autoridade que o conduziu servirá como eficiente suporte à eventual ação penal.

    Toda autoridade que não respeitar as prerrogativas legítimas do Advogado, no exercício regular este de seu legal ministério privado, será tida como arbitrária e deverá ter seu comportamento coibido pelo Judiciário, ontem, hoje e sempre, no estado de direito, a esperança dos que buscam Justiça, dos que esperam receber o que lhes é devido por Lei.

    Se, no futuro, como esperam alguns, nova legislação mudar a orientação estampada na Lei n.º 4.215/63, permitindo a proibição que os impetrados pretenderam aplicar, ainda assim caberá ao Judiciário apreciar a questão que implicará violação das garantias constitucionais da ampla defesa e do regular exercício das atividades profissionais.

    Insistir na manutenção da posição defendida pelos impetrados, apoiando-se exclusivamente na regra do art. 20 do Código de Processo Penal, é deliberadamente procurar omitir conhecimento relativo à regra do art. 14 do mesmo codex.

    Sendo facultado ao indiciado requerer qualquer diligência, como entender tal sem que ele, pessoalmente ou por meio de seus procuradores, tenha conhecimento do inquérito?

    E prossegue aquele irretocável decisum:

    Dessa forma, não poderiam as autoridades impetradas desconhecer as prerrogativas e os direitos dos Advogados, claramente inscritos na legislação pertinente.

    Como também não poderia desconhecer isso tudo o ilustre representante do Ministério Público que oficiou nos autos.

    O dispositivo legal que confere aos impetrantes o direito que buscam já foi bastante examinado, ao contrário do que afirma esse mesmo Doutor Promotor de Justiça.

    Dispensa o tema demorada abordagem, mas, em homenagem ao Direito, que se pretende regule as relações entre os homens e a Justiça, que deve presidir e garantir essas relações, alguns comentários têm que vir à tona, com ilustrações pertinentes.

    Numa sociedade, que se pretenda seja regida pelo menos com respeito aos mais simples princípios de respeito ao Homem, à Lei, à Justiça, não se pode tolerar a arbitrariedade.

    “O poder do Estado para realizar seu objetivo, o bem público, é exercido, como já vimos, sob três modalidades: a função legislativa, a executiva e a judiciária”. “O Estado não tem direito de excluir nenhum cidadão da participação nos benefícios que a sociedade política tem por fim oferecer, principalmente quando se trata dos direito individuais. Não somente o Estado não deve oprimir ou perseguir esta ou aquela categoria social, mas, também, evitará toda e qualquer distinção odiosa em qualquer matéria civil, penal ou administrativa. E isso não somente por princípio de humanidade, mas também por um princípio social: igualmente membros da sociedade política, todos os indivíduos, seja qual for a sua classe, categoria ou opinião, têm igualmente direito, por parte do Estado, à mesma solicitude e benevolência (cfr. Darcy Azambuja, in Teoria Geral do Estado, págs. 386/389).

    No exercício do poder de polícia, o Estado, representado, no caso, pela autoridade policial, não pode, e mais do que isso, não deve, oprimir, perseguir, submeter à odiosa distinção, a classe dos Advogados, notadamente quando seus integrantes estão no exercício regular de suas prerrogativas, no desempenho de suas atividades profissionais.

    O arbítrio que no passado foi sinônimo de violência, de constrangimentos indevidos, não mais se justifica. Os tempos são outros.

    A sociedade exige respeito ao ordenamento jurídico.

    (cf. sentença confirmada pelo ETJSP nos autos do recurso de apelação n.º 31.228-3/SP)

    O v. aresto confirmatório dessa notável decisão monocrática, de seu turno, decidiu:

    A incompatibilidade das normas (art. 20 do Código de Processo Penal, em relação ao artigo referido) derrogadas estão pelo princípio: “LEX POSTERIOR DEROGAT PRIORI”. Assim, mesmo que o sigilo se estenda aos não habilitados, impossível a restrição aos advogados.

    Andou bem o Magistrado “a quo” em conceder o “mandamus” aos recorridos e apelados.

    (cf. recurso de apelação nº 31.228-3/SP)

    Em outro julgado, aquela Corte Paulista igualmente deixou decidido:

    Como já decidido por este mesmo Tribunal (Recurso em Sentido Estrito nº 184.211-3 – Rio Claro – 2ª Câmara – Relator: Prado de Toledo – 19.06.95 – VU), não há razão legal para impedir a participação do advogado constituído nos atos investigatórios, e nem para recusar a entrega de cópias dos procedimentos, mesmo em se tratando de inquérito policial que corre em sigilo. O sigilo pode caber à imprensa e aos demais cidadãos, nunca ao advogado constituído.

    Aliás, as normas constitucionais e o disposto no art. 7º, XIV da Lei 8.906/94, são totalmente favoráveis aos impetrantes e amparam seguramente o direito invocado.

    E nem cabe dizer-se que a pretensão não está ao amparo do artigo 7º, XIII da Lei 8.906/94, ou mesmo no parágrafo 1º, I, de tal dispositivo, neles feita referência a processos, conceito que não abrange inquérito policial e autuação provisória como a que se examina.

    Ocorre que a Constituição Federal, o Código de Processo Penal e o dispositivo específico do Estatuto da Advocacia (art. 7º, XIV da Lei 8906/94) não impedem op advogado de examinar autos de inquérito policial e requerer extração de cópias, ainda que afirmado o sigilo de seu andamento.

    (cf. MS nº 301.392-3/3-00)

    O Excelso Supremo Tribunal Federal, em recente decisão superior, já deixou assente:

    A Comissão Parlamentar de Inquérito, como qualquer outro órgão do Estado, não pode, sob pena de grave transgressão à Constituição e às leis da República, impedir, dificultar ou frustrar o exercício, pelo Advogado, das prerrogativas de ordem profissional que lhe foram outorgadas pela Lei nº 8.906/94.

    O desrespeito às prerrogativas – que asseguram, ao Advogado, o exercício livre e independente de sua atividade profissional – constitui inaceitável ofensa ao estatuto jurídico da Advocacia, pois representa, na perspectiva de nosso sistema normativo, um ato de inadmissível afronta ao próprio texto constitucional e ao regime das liberdades públicas nele consagrado. Medida liminar deferida.

    (cf. MS nº 23.576-4/DF)

    Em recentíssimo julgado, a Corte Constitucional deixou definitivamente decidida a questão ao julgar o habeas corpus n.º 82354/PR, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, deferido por unanimidade de votos, exatamente no sentido do quanto aqui se argumenta.

    A esse julgamento faz referência o Advogado e Professor César Peres no incluso artigo que fez publicar na última edição do Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), cujo teor, aguarda a impetrante, deve ser considerado como parte integrante do mandamus (doc.3).

    Eis alguns excertos desse irrepreensível escrito:

    Setores do Poder Judiciário – os quais somente para tal raciocínio conseguem deixar o positivismo de lado e esgrimir com a Lei Maior, ainda que de maneira equivocada – alegam estarem os princípios da proporcionalidade e da supremacia do interesse público, em alguns casos, negando validade à norma antes referida. Ademais, possuiria o inquérito policial natureza inquisitiva.

    Com a devida vênia, parece-me equivocada tal posição, a par de reacionária. Primeiro, e apenas para argumentar, ainda que se conferisse caráter inquisitorial ao procedimento, o acesso do advogado aos autos, por si só, não lhe retiraria essa característica. Segundo, porque a lei antes referida é cristalina e repristinou o Diploma anterior (Lei nº 4.215/63), o qual dispunha exatamente na mesma linha. Mais: a CF/88 é clara: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes “ (art. 5º, inc. LV).

    Como se vê, tem sim o IP caráter contraditório. A menos que se diga não ser o inquérito sequer um "procedimento administrativo".

    ...

    A defesa de investigações secretas, às escondidas, tem sabor de autoritarismo; traz um ranço de época que todos queremos esquecer. Doutrinas de segurança nacional, lei e ordem, janelas quebradas e outras que não se coadunam com a Democracia: o homem há de ser não mero objeto, mas o sujeito de sua história.

    Não por outra razão, em recentíssimo julgamento (10/08/04) decidiu o STF, por sua 1ª Turma em acórdão relatado pelo ministro Sepúlveda Pertence, exatamente no sentido da argumentação antes expendida, determinando a impossibilidade de ser negada vista de autos a advogado constituído, ainda que o processo tramite em segredo de Justiça.

    É que – malgrado de alguns – o Estado Constitucional de Direito reclama a obediência à Carta Política, a qual, por seu art. 133, proclama ser o advogado “indispensável para a administração da justiça”. A cidadania agradece.

    (cf. doc.3 incluso)

    Logo, patente a violação e adequada a via do mandado de segurança na espécie. Não foi por outra razão, aliás, que, em mandado de segurança que hostiliza portaria idêntica àquela aqui combatida (Portaria n.8/2004 da 1a. Vara Criminal Federal e do Júri de São Paulo) a Exma. Sra. Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE, concedeu medida liminar para o efeito de suspender a eficácia do referido (e idêntico) ato normativo (cf. Proc. 2004.03.00.052802-2 – MS n° 263292 - doc.4).

    4 – FUNDAMENTOS DA IMPETRAÇÃO

    É por todo o acima exposto que, com fulcro no artigo 5º, inciso LXIX, da Carta Política, na Lei nº 8.906/94, especialmente no seu artigo 7°, incisos XIII e XIV, na Lei nº 1.533, de 31/12/1951, e nos demais dispositivos legais de incidência, impetra-se MANDADO DE SEGURANÇA, requerendo a Impetrante:

    a) MEDIDA LIMINAR.

    Demonstrada, ad satiem, a violação do direito líquido e certo indicado, pleiteia-se seja concedida medida liminar para o efeito de ser ordenada a imediata suspensão da ilícita proibição, initio litis et inaudita altera pars.

    Em lapidar decisão, aliás, a Colenda 2.ª Vice-Presidência do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, em caso que a tudo se assemelha ao presente, ao outorgar provisão jurisdicional de urgência, assim decidiu:

    Vistos.

    1. A extração de xerocópias do inquérito policial, como pretendido pelos dignos causídicos, não foi vedada por este Segundo Vice-Presidente, mas, precisamente, pelo ilustre magistrado a quo, como se pode depreender dos autos. A diligente e atenta serventia, tão-somente, deu cumprimento a uma determinação judicial.

    2. Apesar da r. decisão monocrática, assiste razão aos suplicantes. Este Tribunal já decidiu: “Mandado de Segurança – A ausência de razão legal para obstar o trabalho do advogado constituído – Irrelevância de se tratar de inquérito policial que corre em sigilo. Não há razão legal para impedir a participação de advogado constituído nos atos investigatórios, e nem para recusar a entrega de cópias de procedimentos, mesmo em se tratando de inquérito policial que corre em sigilo. O sigilo pode caber à imprensa e aos demais cidadãos, nunca ao advogado constituído” (Rec. Sent. Est. N.º 184.211-3, Rio Claro, 2.ª Câmara Criminal, rel. Prado de Toledo, grifos meus). Na esteira desse pronunciamento, não vislumbro, na espécie, razão para manter a determinação do ilustre magistrado que autorizou o manuseio dos autos de inquérito pelos advogados, vedando-lhes a extração de cópias. Tal procedimento, a meu ver, constitui verdadeiro constrangimento ao exercício profissional, pois se podem compulsar e até mesmo fotografar a peça investigatória, qual a razão para vedar a xerocópia? A mim me parece um procedimento que fere o exercício da Advocacia e, por conseguinte, o Estado Democrático.

    3. Dessa maneira, configurado o direito líquido e certo dos patronos, fica autorizada a extração de cópias somente pelos advogados constituídos, mantido o sigilo quanto às demais pessoas.

    4. Remeta-se os autos à douta Procuradoria de Justiça e, após, proceda-se à distribuição.

    5. Int.

    São Paulo, 23 de setembro de 1999.

    Djalma Lofrano

    2.º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.

    (Mandado de Segurança nº 294.185-3/5)

    B) O PEDIDO.

    Concedida a MEDIDA LIMINAR, requer-se sejam requisitadas da Autoridade apontada como coatora as informações de estilo, para que se prossiga, ao depois, com as informações ou sem elas, nos demais termos e atos do procedimento, inclusive citação de litisconsortes necessários, até final decisão de fundo que, acolhendo o pedido, concederá a segurança para cassar o ato violador aqui combatido e, restabelecendo o império da Constituição e da Lei, garantir a todos os advogados constituídos em quaisquer autos, com ou sem sigilo, “absoluto” ou “relativo”, o acesso e extração de cópias, tantas vezes quantas lhes pareçam necessárias.

    Condenar-se-á ainda a autoridade impetrada no pagamento das custas e demais cominações legais.

    Para os efeitos fiscais, dá-se à presente o valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais).

    P.P.Deferimento.

    São Paulo, 22 de outubro de 2.004.

    Por procuração da OAB-SP

    Luis Flávio Borges D’Urso

    Presidente da OAB-SP

    Mário de Oliveira de Filho

    Advogado

    José Roberto Batochio

    Advogado

    Paulo Sergio Leite Fernandes

    Advogado
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