Real Natureza Jurídica das Cautelares Satisfativas

Discussão em 'Artigos Jurídicos' iniciado por Fernando Zimmermann, 08 de Junho de 2004.

  1. Fernando Zimmermann

    Fernando Zimmermann Administrador

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    Sexo:
    Masculino
    Estado:
    São Paulo
    Da Real Natureza Jurídica das Chamadas
    Cautelares Satisfativas


    Fernando Henrique Guedes Zimmermann
    Advogado
    Pós-Graduado Lato Sensu em Direito Civil e Direito Processual Civil pela ITE - Bauru
    Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB - Bauru


    Sumário:
    1.Introdução;
    2.Posicionamentos Doutrinários;
    3.Características das “Cautelares Satisfativas”;
    4.Conclusão;
    5.Bibliografia.


    1. INTRODUÇÃO

    É praxe nos juízos pátrios a admissão das chamadas “cautelares satisfativas”. Têm se justificado sua interposição sob o fundamento do poder geral de cautela do Juiz, externado no artigo 798 do Código de Processo Civil, e assim protegidas sob o manto das cautelares inominadas.

    Ao pleitear ao Juiz uma tutela “cautelar satisfativa”, a parte na verdade está pedindo ao Magistrado uma medida que assegure a mera possibilidade de o direito vir a ser satisfeito (cautela), e que esta mesma medida o realize por inteiro (satisfação).

    No entanto, sabe-se que uma tutela não pode ser acautelatória e satisfativa ao mesmo tempo. Ou se acautela o direito, ou o satisfaz. Por tutela cautelar deve-se entender aquela que “objetiva assegurar a viabilidade da realização de um direito (não podendo realizá-lo), para que os efeitos finais do provimento sejam úteis e fruíveis por aquele que tem razão.” Já a tutela satisfativa é aquela que efetivamente realiza o direito.

    A tutela cautelar encontra limites no seu próprio conceito. Se é instrumento que “deve tutelar a simples aparência do direito posto em estado de risco iminente”, não se pode pleitear um efeito que ultrapasse suas características.



    2. POSICIONAMENTOS DOUTRINÁRIOS

    A maioria dos doutrinadores atesta ser tal pedido uma impropriedade jurídica. Como se observa da explicação de OVÍDIO A. BATISTA DA SILVA, “Para que se possa estabelecer a distinção entre as verdadeiras medidas cautelares e esta segunda classe de tutela urgente, por nós considerada satisfativa – que a praxe judiciária costuma indicar como ‘cautelares satisfativas’, denominação seguramente imprópria, pois o cautelar nunca poderá ser satisfativo (...)”, seguido por MARCUS VINÍCIUS RIOS GONÇALVES: “Em razão disso, admitia-se a existência, em determinadas circunstâncias, das chamadas cautelares satisfativas. No entanto, é incompatível com a função cautelar a antecipação dos efeitos próprios da sentença, com a qual satisfaz-se a pretensão do titular de um direito.”. VICTOR A. A. BONFIM MARINS é incisivo: “Quanto à satisfação do direito (rectius: de pretensão autônoma), é tema que nitidamente separa as águas da antecipação e da cautelar. Esta é, conceitualmente, não satisfativa.”. E arremata JOÃO BATISTA LOPES: “A expressão ‘cautelar satisfativa’, conceitualmente, encerra contradição em seus próprios termos e entra em conflito aberto com a melhor técnica processual.”.

    Tal entendimento caminha para uma total pacificidade, sendo que os últimos defensores da possibilidade de existência desse tipo de medida cautelar levam em conta a praxe em desfavor da técnica jurídica.

    Nessa esteira, válido se torna trazer à baila a opinião de LUIZ RODRIGUES WAMBIER, o qual assim escreve: “Diz-se que as medidas cautelares não podem ser satisfativas. A expressão satisfatividade pode ter uma série de sentidos, dos quais três são os importantes: a) a satisfatividade pode consistir na coincidência entre o provimento principal e o cautelar. Esta coincidência só pode haver no plano empírico, pois, juridicamente, a cautelar é sempre provisória; b) a satisfatividade pode referir-se à irreversibilidade dos efeitos da medida no plano empírico; c) a satisfatividade pode significar a prescindibilidade da ação principal. A característica b, de regra, não pode mesmo estar presente se de processo cautelar se trata, já que se trata de decisão proferida com base em fumus, e, portanto, não deixaria produzir efeitos insuprimíveis do mundo fático. Todavia, ainda que a medida a ser concedida seja irreversível, mas seja a única forma de proteger o direito provável do autor, deve-se concedê-la, pois se deve sacrificar o direito eventual (não provado) da outra parte em função da necessidade de proteger um direito que aparenta ser bom, o do autor. Este é o princípio da proporcionalidade, a respeito do qual discorre a boa doutrina. Quanto às características a e c, não nos parecem façam desaparecer o caráter cautelar da medida, ainda que presentes.”.

    Primeiramente, há que se frisar que o autor deu três significados ao brocardo satisfatividade, o qual possui somente um sentido jurídico. E nenhum dos citados pelo autor se adequa ao conceito de satisfatividade, que como foi visto, é a efetiva realização do direito.

    No item “a” LUIZ RODRIGUES WAMBIER define satisfatividade como uma “coincidência entre o provimento principal e o cautelar”. E o autor mesmo confessa que tal hipótese não é admissível, eis que a cautela é sempre provisória. Ora, o provimento principal nunca será o mesmo do cautelar, eis que este último somente assegura a possibilidade de o direito vir a ser satisfeito. Uma ação principal que tenha o mesmo pedido da cautela concedida é inócua. No item “c” a satisfatividade é relacionada à prescindibilidade da ação principal. É requisito da ação cautelar a propositura de ação posterior. Os artigos 806 e 808 , inciso I, não existem sem motivo. Ambos estão na parte das Disposições Gerais das Medidas Cautelares, sendo aplicável, portanto, a todas as ações cautelares. Não se pode simplesmente ignorar o texto da lei.

    O autor reconhece que, mesmo segundo sua teoria, o efeito “b” (irreversibilidade da medida) não é aplicável às cautelares, somente o sendo na hipótese em que a cautelar seja a única forma de proteger o direito provável do autor. É necessário aclarar que se o pedido visa a concessão de uma medida irreversível, não estar-se-á diante de Tutela Cautelar. Não há como conceber uma hipótese em que a simples proteção (e não a realização) do direito seja irreversível. Tendo em mente que as Tutelas Cautelares visam tão somente assegurar a possibilidade de um direito vir a ser realizado, sem, no entanto, realizá-lo, enxerga-se a impossibilidade de existência de uma Tutela Cautelar irreversível. Ora, uma vez criada a barreira para que outrem não tenha à sua disposição a mera possibilidade de vir a realizar um direito (liminar cautelar), basta que essa mesma barreira seja retirada, e tudo voltará ao status quo ante.

    Lição elucidativa sobre essa questão é a de OVÍDIO A. BATISTA DA SILVA, o qual chegou à seguinte conclusão: “Podemos então afirmar que as medidas cautelares devem ter duração limitada no tempo tanto no plano normativo, de modo que não lhes seja atribuída a qualidade de um julgamento definitivo e irrevogável, protegido pela coisa julgada, quanto igualmente, haverão de ser temporárias em seus efeitos fáticos, de modo que estes possam ser removidos e não venham a causar para quem as suporta um gravame excessivo que ultrapasse o tempo em que perdurar o “estado perigoso”, pois a eternização dos efeitos da medida provocaria um dano irreparável ao demandado contra quem a medida fora efetivada, caso a sentença no processo principal, ou mesmo a sentença cautelar final, em caso de concessão liminar da segurança, viessem a reconhecer a inexistência do direito acautelado (SERGIO LA CHINA, Pregiudizio bilaterale e crisi del provvedimento d’urgenza, RDP, 1980, p. 218; no mesmo sentido, muito embora aludindo a “antecipações cautelares”, J. FREDERICO MARQUES, Manual de direito processual civil, IV, n. 1.061; e R. MACARRONE, examinando um problema semelhante, relativo às inibitórias, Per un profilo strutturale della inibitoria processule, RDP, 1981, p. 303-304).”.

    Nesta esteira, forçoso se torna reconhecer que a tutela pretendida quando se interpõe uma “ação cautelar satisfativa” não pode ser uma tutela cautelar.



    3. CARACTERÍSTICAS DAS “CAUTELARES SATISFATIVAS”

    Cumpre, então, determinar a real natureza jurídica dessas tutelas, de maneira processualmente correta, e que se harmonize com o Código de Processo Civil e legislação vigentes, levando-se em conta o caráter eminentemente técnico do direito processual. E deve ser um procedimento que suporte todas as características das “cautelares satisfativas” – célere, compatível com a concessão de liminares, e realizador do direito.

    Estudando a nomenclatura utilizada na praxe, Tutela Cautelar já foi visto que não se trata. E Tutela Satisfativa é conceito muito abrangente para delimitar-se nas peculiaridades do que se busca. Quase todas as tutelas são satisfativas, na medida em que se acolhe, integral ou parcialmente, as pretensões do autor ou do réu, realizando assim, seus respectivos direitos.

    Desta forma, é preciso ser mais específico para obter-se a real dimensão da natureza jurídica desse tipo de tutela. Que se trata de Tutela Satisfativa não há dúvidas, mas há que se especificar mais, de uma maneira que se delimite e se englobe todas as suas particularidades.

    Assim sendo, é de observar-se o funcionamento do processo nessas tutelas. Não se pode afirmar que ele é sumário na acepção técnico-jurídica, eis que no procedimento sumário previsto no Código, a lide sofre restrições, como no que se refere ao valor da causa, além de outras limitações.

    Igualmente, tem-se por certo que não se trata de processo de execução, eis que ainda se visa a constituição do título. Ao se propor uma “cautelar satisfativa” não se tem ainda um título certo, líquido e exigível, requisito de qualquer procedimento executivo.

    Nos procedimentos especiais do Código de Processo Civil também não se encontra similaridade plena com o fenômeno que ocorre naquelas Tutelas.

    Na legislação extravagante vale citar o mandado de segurança, o qual também não se adequa, uma vez que este não comporta dilação probatória, muitas vezes presente nas “cautelares satisfativas”, além de outras evidentes diferenciações .

    O procedimento ordinário requer maior atenção. Se de um lado é dos mais morosos, de outro se tem a antecipação (dos efeitos) da tutela. E a antecipação pode versar sobre parte ou sobre a integralidade do pedido. Uma das características das “cautelares satisfativas” é a rapidez da prestação jurisdicional, vez que pode ser obtida mediante liminar. E a antecipação dos efeitos da tutela é uma medida liminar, já que é decisão incidente, e pode ser revogada, ou modificada, no curso do processo ou na sentença .

    E por se tratar de processo ordinário, examina todas as particularidades do contraditório, com o fim de realizar o direito. Concedida a liminar (antecipação dos efeitos da tutela), desde logo o direito é obtido de forma provisória. Tomemos o exemplo da “cautelar satisfativa de sustação de protesto”. Nesta ação, o Requerente demonstra na inicial que não é devedor da Requerida, pedindo que o título não seja protestado, liminarmente. Concedida a liminar, o processo segue seus regulares trâmites, inclusive com possibilidade de dilação probatória. Ao final, o Juiz pode convalidar a medida, ou negá-la.

    O que é notório na diferenciação em relação às ações cautelares é o objeto da ação, o pedido propriamente dito, uma vez que consiste na obtenção do direito aludido, sua realização, sua obtenção, e não simplesmente na proteção à possibilidade de vir a ser obtido.



    4. CONCLUSÃO

    Se trocarmos “liminar cautelar” por “antecipação de tutela”, estaremos diante de um processo que atende às necessidades do que se busca nesse tipo de ação, além de não estarmos a criar uma aberração jurídica.

    Não se pode utilizar a praxe com justificativa pela utilização errônea de um instituto. Se há lei mais recente regulando uma matéria (a qual introduziu a possibilidade de antecipar-se a tutela), esta deve ser seguida. A esse propósito, já ensinava CHIOVENDA, ao comentar a aplicação da lei processual no tempo: “B) Processo por iniciar. Serão plenamente regulados pela lei processual nova: a) A ação em si, fundando-se sobre a existência do processo, pode-se propor desde que a lei processual, no momento e no lugar em que se propõe, a reconhece (...). Só a lei do processo do tempo e do lugar pode dizer o que é lícito procurar no processo. (...) Vice-versa, se a lei admite novos meios de atuação da lei ou ampliar os meios existentes além dos casos admitidos antes, ou introduz novos meios executivos, podem gozar da extensão inclusive os titulares de direitos preexistentes; (...)”.

    Diante disso, forçoso se torna concluir que a chamada “cautelar satisfativa”: 1º - trata-se de ação de conhecimento condenatória (obrigação de fazer ou não fazer); 2º - as liminares concedidas são na verdade antecipações dos efeitos da tutela (tutela antecipada); 3º - não são instrumentais (no sentido de não dependerem de ação posterior); e 4º - satisfazem o direito.

    Essas constatações são autorizadoras de levar-nos a concluir que a “cautelar satisfativa” é uma Ação de Conhecimento Condenatória de Obrigação de Fazer (ou Não Fazer), com pedido de Antecipação de Tutela , a qual segue o rito ordinário.

    Conhecimento Condenatório de Obrigação de Fazer porque o que vai autorizar a agilidade da prestação jurisdicional é o dano em si, de maneira que ele não ocorra, ou seja removido, ou não se repita, além de tratar-se de ação que analisa mérito, faz coisa julgada material, e satisfaz o direito. E com pedido de Antecipação de Tutela por que o que se busca é de fato antecipar os efeitos da sentença de mérito, realizando, obtendo o direito, além de não se tratar de medida instrumental, dependente de ação posterior, mas sendo a ação um fim nela mesmo (autônoma).

    É certo que a todo direito corresponde uma ação que o assegura. No entanto, a ação deve ser bem proposta, mormente por que o direito processual é eminentemente técnico. Intentando a ação nos moldes propostos, pautar-se-á pela boa ciência processual, quer pela nitidez da ação, quer pela real dimensão de seu objeto, além de não se correr o risco de ter a petição inicial indeferida, e ver uma maior morosidade na solução do litígio.



    5. BIBLIOGRAFIA

    CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, Volume I

    DESTEFFENI, Marcos. Natureza Constitucional da Tutela de Urgência

    GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Sinopses Jurídicas, Processo de Execução e Cautelar

    LOPES, João Batista. Antecipação da Tutela e o Art. 273 do Código de Processo Civil, RT 729

    MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória: Individual e Coletiva

    MARINS, Victor A. A. Bonfim, Antecipação da Tutela e Tutela Cautelar, in Aspectos Polêmicos da Antecipação da Tutela

    OLIVEIRA, Flávio Luís De. A Antecipação da Tutela dos Alimentos Provisórios e Provisionais Cumulados à Ação de Investigação de Paternidade

    SILVA, Ovídio A. Batista Da. Curso de Processo Civil, Volume 3 - Processo Cautelar (Tutela de Urgência)

    WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil, Volume 3 – Processo Cautelar e Procedimentos Especiais
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