Lei 9.870/99, Valor Contraprestacional De Serviços De Educação E O Direito À Renovação De Matrícula

Discussão em 'Direito Administrativo' iniciado por Márcio da Silveira, 15 de Janeiro de 2011.

  1. Márcio da Silveira

    Márcio da Silveira Em análise

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    Na iminência do início de mais um ano letivo escolar, a preocupação de milhares de brasileiros que sentem no bolso o peso das despesas com a educação (livros, materiais escolares, transporte, mensalidades, uniformes...) se renovam. Nessas breves palavras reporto-me às despesas com a contratação dos serviços de educação na rede privada de ensino, desde as pré-escolas até o ensino superior. Referida matéria é disciplinada pela lei 9.870/99 que dispõe ser devido pelo contratante um valor que corresponda a anuidade ou ao semestre, o qual pode ser parcelado em 12 ou 6 vezes, respectivamente, como sói na prática contratual em questão. Diante desta norma, parece razoável deduzir que o legislador limitou, de forma clara, o objeto contraprestacional devido pelo "aluno" à instituição de ensino a título de pagamento pelos serviços contratados, qual seja, a prestação pecuniária denominada anuidade ou semestralidade. Nesse sentido, cabível questionar se a cobrança de matrícula pelas instituições de ensino não revelaria uma prática que extrapola, qualitativamente, o an debeatur previsto na lei?
    A mim me parece que sim, pois a lei é expressa ao referir-se ao valor TOTAL das anuidades/semestralidades, de modo que não resta mais pelo que deva o consumidor pagar. Ora, se acertado o valor total referido acima, este corresponde a contratação dos serviços para o ano/semestre também em sua totalidade, implicando logicamente na matrícula do aluno, pois é decorrência lógica e necessária, que aquele que se obriga a prestar o serviço de educação deva admitir o aluno, efetuando, pois, a matrícula. Esta está, assim, compreendida na celebração do contrato, vejamos:

    "Art. 1[sup]o[/sup] O valor das anuidades ou das semestralidades escolares do ensino pré-escolar, fundamental, médio e superior, será contratado, nos termos desta Lei, no ato da matrícula ou da sua renovação, entre o estabelecimento de ensino e o aluno, o pai do aluno ou o responsável."

    A questão alcança mais relevo mormente quando o aluno já se encontra matriculado, isto é, por ocasião da renovação da matrícula. Note-se que a lei usa a expressão "renovação" e não rematrícula, sendo que esta última expressão poderia facilitar o induzimento de que se faria necessário um novo ato de matrícula e, por conseguinte, nova oneração. Em verdade parece desimportar a comparação destas expressões, ao passo que mais presumível é a continuidade dos estudos (incidiria aqui a boa-fé objetiva?), estando a contratada obrigada por lei a renovar a relação jurídica, desde que se trate de aluno adimplente:

    "Art. 5[sup]o[/sup] Os alunos já matriculados, salvo quando inadimplentes, terão direito à renovação das matrículas, observado o calendário escolar da instituição, o regimento da escola ou cláusula contratual.
    "


    Conforme a dicção do dispositivo acima, de fácil percepção que a renovação da matrícula é um direito líquido e certo do aluno adimplente (basta que junte à norma legal, a comprovação de estar em situação de adimplência). Neste contexto, caso a instituição de ensino, representada em ato do Diretor, exija do aluno adimplente o pagamento de importância pecuniária a título de taxa de rematrícula, estará violando a norma do art. 5º, da lei sob comento, que nada reclama em relação ao exercício desse direito, além de estar adimplente.
    Em última instância, isso significa dizer que o Diretor na hipótese ventilada, figuraria como autoridade coatora, dando ensejo a impetração do Mandado de Segurança (art. 5º, LXIX, CF), para garantir o direito líquido e certo à rematrícula, violado, pois, consoante a imposição de condição não prevista em lei.

    Apresentado o cerne da questão, creio, passo às últimas considerações:

    a ordem deve ser impetrada na Vara da Infância e Juventude caso o aluno seja menor (o MP deve se manifestar);
    cuida-se de incidência do CDC. Nesse caso, mesmo que se cogite da licitude da cobrança da taxa de rematrícula, essa apenas seria devida se prevista no contrato anterior a sua ocorrência, sob pena de ferir o direito a informação do consumidor (art. 6º, III, CDC). Relevante, pois, para aquele que arca com os custos saber da onerosidade superveniente (rematrícula) para a continuação da prestação dos serviços de educação;
    ainda com relação a incidência do CDC, se eventualmente o contratante efetuar o pagamento da rematrícula, parece proceder a restituição do valor pago indevidamente em dobro (art. 42, parágrafo único, CDC);

    Pessoal, resolvi postar esta questão pela sua recorrência, abrangência e relevância social que se manifesta no momento. Também porque ao pesquisar na jurisprudência não encontrei sequer um caso, o que me causou estranheza, encontrei vários mandados de segurança sobre retenção de documentos de alunos inadimplentes..., mas sobre o caso de cobrança de (re)matrícula realmente não encontrei nada. Por isso resolvi provocar o foro com minhas primeiras impressões sobre o tema. Gostaria que o debate fosse enriquecido com considerações, críticas, juriprudências!!!, desde já fico grato
    té + ;)
  2. DeFarias

    DeFarias Membro Pleno

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    Colega, acho que você está fazendo uma pequena confusão. Não existe cobrança de "matrícula". Existe, isso sim, antecipação de parcela da semestralidade ou anualidade por ocasião da matrícula, normalmente identificada pela mensalidade de janeiro (poderíamos até conceituar essa antecipação como arras).


    Ribeiro Júnior curtiu isso.
  3. dr.marcosilveira

    dr.marcosilveira Em análise

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    Concordo Plenamente com o colega Dr. DeFaria, não restando qualquer comentário...

    vou além, só para apimentar um pouco a discussão: As instituições de Ensino Particulares não estão sendo muitas vezes "coagidas" as manter alunos que passam o ano quase todo sem cumprir com suas obrigações de contrapartida pecuniárias? No momento da Renovação da matrícula, o aluno INADIMPLENTE ainda encontra brechas na Lei (e até por conta da LDB) para continuar na Escola e começa tudo de novo!

    Esse é um problema que aflige não só pais e alunos, mas o Governo acaba transferindo a responsabilidade para as Escola particulares, e elas também passam por suas aflições.
  4. Márcio da Silveira

    Márcio da Silveira Em análise

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    Pessoal, será que em algum momento dei pela procedência deste tipo de cobrança? Pensei que houvesse sido claro, justamente, em relação ao seu não cabimento:

    "(...)parece razoável deduzir que o legislador limitou, de forma clara, o objeto contraprestacional devido pelo "aluno" à instituição de ensino a título de pagamento pelos serviços contratados, qual seja, a prestação pecuniária denominada anuidade ou semestralidade."

    "(...) a lei é expressa ao referir-se ao valor TOTAL das anuidades/semestralidades, de modo que não resta mais pelo que deva o consumidor pagar (...)"

    Ao falar na "cobrança de (re)matrícula" foi apenas para referir a prática que algumas instituições de ensino adotam, em afronta a disciplina da lei 9.870/99.
    Sim, eu sei que não existe, de acordo com a lei, este tipo de cobrança (até pensei ter deixado isso claro), o problema é que algumas escolas, para não ser, como se diz, "deselegante", agem como se não soubessem disso...
    Caros, não escrevi nada por engano, referi-me a situação em que a "escola" efetivamente resolve onerar, de forma extraordinária, a (re)matrícula, ou seja, quando o valor cobrado por este ato vai além do valor total da anualidade/semestralidade. Isso, portanto, não se confunde com antecipação de parecela nenhuma, pois é cobrado de forma autônoma. Demonstrar isso foi a proposta encaminhada ao forum, desculpem se não consegui ser claro.
  5. Fabiano Domingues

    Fabiano Domingues Membro Pleno

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    Prezados,

    Em consonância com o dito pelo colega Márcio, há inúmeras instituições de ensino privado cobrando determinada quantia quer no ato da matrícula, quer no ato da rematrícula, não confundindo tais taxas com nenhum adiantamento das parcelas contraprestativas.
    Creio que o debate passe pelo significado da expressão "matrícula". Para a Lei 9.870/99, em meu sentir, essa expressão denotaria a 'inscrição que permite exercer uma atividade ou frequentar um estabelecimento de ensino", logo qualquer quantia além das contraprestações seria onerar em demasia o aluno e/ou seu responsável.
    Lado outro, para (talvez a maioria das) instituições educacionais privadas, essa expressão estaria associada à "quantia paga no ato da inscrição".
    Fica-se, portanto, no aguardo, para ver qual o entendimento de nossos tribunais.

    Att.

    Fabiano
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