Cerveja Sem Álcool E O Bafômetro

Discussão em 'Artigos Jurídicos' iniciado por ezizzi, 01 de Junho de 2010.

  1. ezizzi

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    LEI SECA X CERVEJA SEM ALCOOL X BAFÔMETRO X CÓDIGO DO CONSUMIDOR

    “QUID JURIS”

    Estevão Zizzi*




    Sumário: 1- Instrução; 2- “Lei Seca” nº. 11.705, de 19 de junho de 2008 – 3- Decreto nº 2.314/97 – “Cerveja sem álcool”; 4- Bafômetro; 5 – Código de Defesa do Consumidor 6- Conclusão; 7- Referências.

    Sinopse: Este artigo tem por finalidade esclarecer a celeuma criadas com as alterações da “Nova Lei de Trânsito”, em especial no tocante a tolerância alcoólica nela estabelecida, em relação as legislações anteriores e vigentes, em particular ao Código de Defesa do Consumidor, no que diz respeito à informação e publicidade nas nominadas “cervejas sem álcool”, e suas conseqüências em relação aos aparelhos Etilômetros, conhecido popularmente como “Bafômetro”.




    Palavras-chave: “Lei Seca” – “Cerveja sem álcool” – “Bafômetro” – Código Brasileiro de defesa do Consumidor


    1- Introdução

    Nosso objetivo, neste estudo, é demonstrar que a definição legal da cerveja sem álcool, frente a falta de advertência publicitária no produto, dentro do que estabelece o Código do Consumidor, poderá induzir em erro o condutor de veículo quando for solicitado o uso do aparelho Etilômetro, conhecido como “Bafômetro”. E, finalmente, trazer a tona um solução equânime para que se evitem demandas, demasiadamente exaustivas em nosso judiciário.

    No Brasil, os fornecedores da “Cerveja sem álcool”, foco de nossa discussão, aumentaram substancialmente suas vendas ao consumidor, com advento da popularmente conhecida “Lei Seca”, ou seja, a “nova nº. 11.705, de 19 de junho de 2008”, que altera o Código de Trânsito Brasileiro, que proíbe o consumo de praticamente qualquer quantidade de bebida alcoólica por condutores de veículos que forem flagrados com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. Onde, ainda, consideram bebidas alcoólicas, para efeitos da Lei, as bebidas potáveis que contenham álcool em sua composição, com grau de concentração igual ou superior a meio grau Gay-Lussac.

    Em que pese às justificativas e considerações apontadas pelo legislador, com todo o nosso respeito, houve uma falha singular, elementar. Esse é o tema que abordaremos nesse artigo.


    2- “Lei Seca” nº. 11.705, de 19 de junho de 2008 (1)

    Em resumo A lei seca, lei nº. 11.705, de 19 de junho de 2008, que alterou a Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - o Código de Trânsito Brasileiro, e a Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996, que dispunham entre outras, sobre as restrições ao uso de bebidas alcoólicas, nos termos do § 4o do art. 220 da Constituição Federal, para inibir o consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo automotor em nenhum dos seus dispositivos, menciona que produtos dessa espécie devem apresentar advertência escrita de forma legível e ostensiva ao consumidor. De passagem o legislador se refere a tais advertências somente nos locais de venda, como visto no artigo 7º:

    “Art. 7o A Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 4o-A:

    “Art. 4o-A. Na parte interna dos locais em que se vende bebida alcoólica, deverá ser afixado advertência escrita de forma legível e ostensiva de que é crime dirigir sob a influência de álcool, punível com detenção.”

    A questão que relevamos se encontra no artigo 306 do CTB, onde trata dos crimes de trânsito.

    Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

    Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.

    A lei admite tolerância zero com o álcool. Anteriormente, um motorista podia ter até 0,6 gramas de álcool por litro de sangue. Isso importa aproximadamente 700ml de chopp, 300ml de vinho ou 60ml de aguardente.

    E, mais, do que zero de álcool é infração gravíssima, com multa de R$ 955 e suspensão do direito de dirigir por um ano.

    Em suma: Os motoristas flagrados com uma dosagem superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue poderá ter a carteira de motorista apreendida por um ano e o carro apreendido.

    Como o legislador deixou à mercê a regulamentação quanto a outros produtos que contenham álcool o numero elencado não é exaustivo, assim, a “tolerância zero” pode ter reflexos naqueles que gostam de bombons com licores e conhaques, balas do tipo extra-forte e até em anti-séptico bucal, entre outros produtos à base de álcool.

    Enfim, como é da cultura de nossos legisladores de resolver tudo a “toque de caixa”, a base de decretos e mais decretos, certamente em pouco tempo haverá farta jurisprudência sobre o assunto para que nós operadores do direto tenhamos que enfrentar um verdadeiro quebra-cabeças, debruçados na “lacuna” legislativa. Em linguagem coloquial: Com as trapalhadas dos que dizem representantes do povo e fazem questão de serem tratados de Excelências.

    3- Decreto nº 2.314/97 - “Cerveja sem álcool” (2)

    Confira-se o que diz o Decreto nº 2.314/97 (publicado no DOU em 05.09.97), que regulamenta a Código Brasileiro de Trânsito, Lei nº. 8.918, de 14 de julho de 1994, que dispõe sobre a padronização, a classificação, o registro, a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas.

    Artigo 66. As cervejas são classificadas:

    Nesse dispositivo temos a definição legal de cerveja sem álcool.

    III - quanto ao teor alcoólico em:

    a) cerveja sem álcool, quando seu conteúdo em álcool for menor que meio por cento em volume, não sendo obrigatória a declaração no rótulo do conteúdo alcoólico;

    Mesmo considerada não-alcoólica aquela com teor de 0,5% em volume, a presença de álcool é manifesta: 0,5% (dez vezes menor que uma cerveja comum), conforme definida.

    Destacamos a parte final da letra a do artigo 66: “não sendo obrigatória a declaração no rótulo do conteúdo alcoólico.”

    Veja-se, que o decreto da mesma forma que a “Lei Seca!”, deixou à margem, no “acostamento”, os ditames do Código do Consumidor, no que concerne a informação adequada para que o consumidor não seja induzido em erro. E, no mesmo diapasão, também, nenhum órgão público tomou iniciativa.

    O alerta sobre a falta de informações aos consumidores – condutores de veículos, nas “Cervejas sem álcool”, veio à tona com a pesquisa realiza pela Associação de Defesa do Consumidor – Proteste, que fez análise nas cinco marcas mais consumidas no mercado, como apresentado no quadro abaixo (3) :

    [​IMG]



    Como se nota todas as marcas analisadas apresentam o teor alcoólico conforme determina o decreto, entretanto, três delas, não apresentam a advertência de consumo exagerado. As outras, mesmo com a advertência em sua rotulagem, pecam pela falta de outras informações que podem trazer danos ao consumidor, contudo, não é o foco de nosso assunto.




    4- Do Bafômetro

    Como no Brasil a mania lusitana do apelidismo está arraigada na população, tudo ou quase tudo, é mais conhecido pelo apelido. Consequentemente, não poderia ser diferente com o etilômetro (aparelho de ar alveolar pulmonar que afere a embriaguez através da concentração de álcool em miligramas por litro de ar expelido dos pulmões.), apelidado e conhecido como “Bafômetro”.

    Entretanto, não é medidor de bafo, como é coloquialmente definido, e sim, ajustando-se a pitoresca definição, a mais adequada seria “Halitrômetro”, pois, em inglês, o aparelho é conhecido como "breath alcohol analyzer" – ANALISADOR DE ÁLCOOL NO HÁLITO.
    Indaga-se: Esses aparelhos são aferidos regularmente? O condutor tem conhecimento dessa obrigatoriedade? E de seus direitos?

    A título de ilustração apresentamos um precedente inédito para alertar as autoridades e os condutores de veículos, quando a precariedade da aferição e fiscalização desses aparelhos.

    Em 21/08/2009, circulou no site do cidadeverde.com a seguinte manchete: Inédito: “Piauiense prova erro de bafômetro do IML e ganha processo no PI” - Um estudante de Direito comprovou que o bafômetro do IML conseguiu anular a infração, pois o “Bafômetro” estava sem verificação periódica há dois anos, contrariando a Resolução do Contran que determina um ano para a sua calibragem e inspeção(4).

    Por outro lado, data venia, o aparelho não tem culpa, mas ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo - nemo tenetur se detegere — registrado pela Constituição Federal (art. 5º, LVII e LXIII), pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos(Pacto de San José da Costa Rica, de 1969) (art. 8º, 2,g) e pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 14, 3, g), por fim que obriga às autoridades de trânsito observar o princípio da legalidade (art. 5º, II, da Constituição Federal).

    Já nos julgados do STF e STJ, o que não poderia ser diferente, vem respeitando o princípio jurídico (nemo tenetur se detegere ) , por entender que existem outros meios de prova para constatação de embriaguez. Assim, a recusa em se submeter ao chamado teste do “Bafômetro” implica apenas sanções no âmbito administrativo.

    5 – Código de Defesa do Consumidor

    A LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990 (5), nominada como Código do Consumidor, diga-se de passagem, didática, informativa a qualquer cidadão comum, como visto acima, foi relagado a segundo plano. A maior preocupação do legislador na elaboração dessa lei foi atender as necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo. ( Art. 4°).

    Dela extraímos alguns dispositivos pertinentes a matéria em questão:

    Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

    III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

    Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.

    Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

    Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

    § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

    Limitamos-nos a por um ponto final, pois seria desnecessário pela clareza estampada nesses dispositivos, ficarmos sublinhando e comentando nas entrelinhas a falta de zelo do legislador com a “Novel alteração no Código de Trânsito”, mola propulsora de uma verdadeira torre de “Babel” de artigos jurídicos espalhados aqui e acolá. E sem ironia, talvez algum deles ainda ganhe prêmio pela redundância.

    6- Considerações;

    Em nosso modesto artigo, tivemos a intenção em demonstrar:

    1. Que a “Lei Seca” nº. 11.705, de 19 de junho de 2008 “Art. 7o A Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996, só se limitou a advertir o consumidor no âmbito penal, como visto em seu “Art. 4o-A., sem se preocupar com a rotulagens dos produtos.

    2. O Decreto nº 2.314/97 - que regulamenta a Código Brasileiro de Trânsito, Lei nº. 8.918, de 14 de julho de 1994, que dispõe sobre a padronização, a classificação, o registro, a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas, também, já à época, mesmo num paradoxo inexplicável, admitia a presença de álcool nas chamas Cervejas sem álcool, entretanto, desobrigou os fornecedores de colocarem a declaração no rótulo do conteúdo alcoólico; (Artigo 66, III, a).

    3. Que a obrigatoriedade e a imposição do uso do “Bafômetro” além de não ser um instrumento seguro, fere vários princípios inalienáveis da pessoa humana.

    4. Que se observadas as normas vigentes do Código do Consumidor, a Lei do Trânsito, estaríamos politicamente correta, pois, mesmo os desavisados pela falta de informação, até mesmo, teriam cautela em relação a tomar uns golinhos a mais nas chamadas Cervejas sem álcool, sem falar nos bombons, e outros que o legislador deixou ao acaso de resoluções como já citado.

    Por fim, nossa advertência: Sem o condutor de veículo beber Cerveja sem álcool, não deve se esquecer que dez latinhas são o bastante para que o tal do “Bafômetro” o leve para a delegacia, pague fiança, perca a carteira e seja multado.

    De qualquer forma, a solução é exigir a nota fiscal da cerveja sem álcool e levar o assunto até a última instância, não se esquecendo da latinha em mãos, para produzir todos os meios de prova admitidos em direito.

    5 - Menções.

    1. LEI Nº 11.705, DE 19 DE JUNHO DE 2008.

    Fonte:

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11705.htm

    2. Decreto nº 2.314 de 04.09.1997

    Fonte: http://www.consumidorbrasil.com.br/consumidorbrasil/textos/legislacao/d2314.htm

    3. Associação de Defesa do Consumidor – Proteste

    Fonte:

    http://www.proteste.org.br/bebidas/irregularidades-nas-cervejas-sem-alcool- s468621.htm

    4. cidadeverde.com

    Fonte:

    http://200.155.4.50/inedito-piauiense-prova-erro-de-bafometro-do-iml-e-ganha-processo-no-pi-43236?id=43236

    5. LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990.

    Fonte:

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm


    * Diretor-Presidente do Instituto Capixaba do Consumidor – IDECON

    http://idecones.blogspot.com
  2. Fernando Zimmermann

    Fernando Zimmermann Administrador

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  3. Marcos Madeira

    Marcos Madeira Em análise

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    Apenas complementando o excelente artigo: “Por exemplo, quem beber 10 latinhas de cerveja "sem álcool" poderá ficar com 5% de teor alcoólico no sangue e ser autuado ao dirigir”.
  4. Melquer

    Melquer Visitante

    Oportuno artigo. Eu mesmo já tinha questionado esse assunto a meus colegas. Até liguei para o Procon e eles disseram que levariam o assunto a um órgão competente para análise.
  5. alencastro

    alencastro Em análise

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    Já me deparei com um caso desses. Realmente, os menos desavisados pagam pela inércia das autoridades.

    Abaixo faço a minha colaboração transcrevendo o voto do Desembargador rtur Ludwig, do TJRS:


    "Sendo o consumidor o destinatário final do produto, não pode ser 'abatido' por ofertas enganosas. "Ainda que se revele necessário o consumo de 30 latas do produto (para homens) e 20 latas (para mulheres) a fim de que tenha uma equivalência de álcool de três latas de cerveja comum, conforme atestado pela perícia, não se pode olvidar que a requerida falhou com o seu dever de informação", constatou o Desembargador Artur. E continuou: "O chamariz do produto residia justamente na total ausência de álcool da cerveja". Ainda disse que "a proteção contra a publicidade enganosa é um direito básico do consumidor previsto no Código de Defesa do Consumidor".



    Quero parabenizá-lo pelo artigo tão bem elaborado.
  6. alogicadodireito

    alogicadodireito Em análise

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    é simplesmente brilhante a sua forma deabordar o tema. as suas palavras se interligaram aos fatos e nos trouxe umavisão muito interessante. parabéns!

    são mateus - es 06/07/2010
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