Convênio Médico Não Quer Autorizar Cirurgia

Discussão em 'Direito Civil, Empresarial e do Consumidor' iniciado por Pedro Lisse, 24 de Maio de 2011.

  1. Pedro Lisse

    Pedro Lisse Em análise

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    Boa noite, sou advogado trabalhista, e infelizmente estou com um problema familiar, onde precisam de um transplante de córnea urgentemente, pois o mesmo perdeu quase toda a visão. Porém não entendo quase nada de consumidor e civil, não estando interado da lei 9656/98. Se alguém puder me ajudar, ou passar alguma jurisprudencia, ajudaria muito.
    O caso é o seguinte:

    Gostaria de saber se está correto um plano de saude não cobrir a cirurgia de transplante de cornea devido ao tipo de plano do paciente ser anterior à lei 9656/98 e não ter sido adaptado por ela?

    O convenio médico alega que o plano de saude do paciente é anterior a lei 9656/98 e não foi adaptado a nova lei (o paciente na época não fez a alteração no plano medico para a nova lei pois ficaria mais caro e não teria condições de pagá-lo) por isso não é obrigado a realizar a cirurgia, visto que no contrato original não consta este tipo de cirurgia, não sendo assim o convenio obrigado a cobrir a cirurgia . Porém, esta cirurgia consta na lista da ANS e da lei 9656/98, resolução 211, como obrigatoria a todos os convenios medicos.


    Assim, convenio médico alega, em síntese, que o plano de saude do paciente é anterior a lei 9656/98 e não foi adaptado a nova lei (o paciente na época não fez a alteração no plano medico pois ficaria mais caro e não teria condições de pagá-lo) por isso não é obrigado a realizar a cirurgia.

    Qual tese posso usar para entrar com uma ação de obrigação de fazer com pedido de liminar para o convenio medico cobrir a cirurgia? A tese de trato sucessivo dos contratos a se adequarem obrigatoriamente as leis vigentes seria válido?

    Desde já, grato pela atenção.

    Aguardo resposta.
  2. Ribeiro Júnior

    Ribeiro Júnior Membro Pleno

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    Em caso bem semelhante, assim textualmente decidiu o eminente Desembargador RUDI LOEWENKRON na Apelação Cível número 2006.001.22530 do TJRJ:

    2006.001.22530 - APELACAO CIVEL
    DES. RUDI LOEWENKRON - Julgamento: 01/08/2006 - DECIMA QUARTA CAMARA CIVEL DO TJRJ

    OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PARA REALIZAÇÃO DE CIRUGIA URGENTE COM PROCEDIMENTO DE COLOCAÇÃO DE PROTESES - NEGATIVA DO PLANO DE SAÚDE EM RELAÇÃO ÀS PROTESES - PRESENÇA DE RISCO DE VIDA - CONCESSÃO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SENTENÇA QUE SE MANTÉM - DESPROVIMENTO DO RECURSO. É inaceitável que um plano de saúde recuse a colocação de próteses em caráter de urgência. As próteses que devem ter negadas a sua colocação, são as de caráter estético, sem que o paciente esteja correndo riso de vida. A se permitir um procedimento cirúrgico que necessita da colocação de prótese, em se tratando de perigo de vida, de nada adiantaria o plano de saúde permitir a internação e a realização da cirurgia, uma vez que o profissional estaria de mãos atadas, pois não poderia realizar integralmente seu trabalho.


    Ademais, faz-se necessária, de plano, pugnar pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor, portanto, por força do quanto preceitua o art. 3º do citado diploma legal, in verbis:

    Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
    § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
    § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.


    A respeito da ilicitude da negativa exercida pelo plano de saúde, é imperioso estabelecer que o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, visa respaldar justamente os atos abusivos praticados pelas empresas em geral em detrimento de seus consumidores. E, obviamente, a relação entre as partes é de natureza consumerista. O supra referido artigo possui a seguinte redação:

    Art. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
    I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos ou serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos.
    (...)
    IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa – fé ou a equidade.


    A respeito da análise de tais cláusulas nos contratos de consumo, digna de referência a também lapidar lição do eminente Desembargador SÉRGIO CAVALIERI FILHO, segundo a qual: "Rompendo com a clássica noção do contrato, o Código do Consumidor consagrou a concepção social do contrato, no qual o elemento nuclear não é mais a autonomia da vontade, mas sim o interesse social. A eficácia jurídica do contrato não depende apenas da manifestação de vontade, mas também, e principalmente, dos seus efeitos sociais e das condições econômicas e sociais das partes que dele participam."

    Também assim decidiu-se no Eg. Tribunal da Justiça Baiana:


    “Fazem-se presentes a fumaça do bom direito e o perigo a demora, eis que aqui se cuida de caso de moléstia grave a por em risco a vida da paciente agravante, que já apresenta as co-morbidades decorrentes da obesidade mórbida. Mais do que os legais, são os princípios constitucionais que amparam a pretensão dos agravantes: direito à vida e à saúde, em face dos quais, tornam-se amesquinhados os interesses de fundo econômico do agravado. Do não atendimento à pretensão dos agravantes decorre o risco de lesão grave e impossível reparação se a paciente evoluir a óbito. Ante a relevância da fundamentação do pedido, com respaldo no art. 527, iii, c/c o art. 558, ambos do CPC, atribuo ao presente agravo o efeito suspensivo requerido pelas agravantes.

    Em se tratando de agravo de instrumento em que o agravado ainda não tem advogado constituído nos autos principais, pode o mesmo ser alvo de julgamento imediato, como tem permitido a jurisprudência nacional, razão porque, com vistas ao art. 5º caput, art. 6º caput, da constituição federal, o primeiro garantindo a inviolabilidade do direito à vida, direito individual do cidadão, e o segundo estatuindo a saúde como Direito Social, DOU PROVIMENTO ao presente agravo para cassar a decisão de primeiro grau hostilizada.” (TJBA – Câmara Especial. Agravo 14466-9/2005. Relator Juiz convocado Irany Almeida. Publicado no D.O.J. 21 jun 2005)



    A aplicabilidade da supra referida lei às relações de Seguro Saúde firmados antes de sua vigência também já é matéria sopesada na esmagadora jurisprudência, sendo igualmente unânime o entendimento segundo o qual, por tratar-se de contratos de trato sucessivo e periódico, eles restam regulados pela lei, independentemente de quando tenham sido pactuados, já que mensalmente se renovam.

    A esse respeito, lapidar o entendimento do eminente Desembargador LUIZ FELIPE FRANCISCO no julgamento da Apelação Cível número 2006.001.13069 pela Colenda 8ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em que textualmente determina:

    "A primeira alegação trazida nas razões recursais de que inaplicável a Lei dos Planos de Saúde (Lei número 9.656/98) aos contratos anteriores à sua vigência, não se sustenta.
    É de se destacar, inicialmente, que em que pese não invocada pelos apelados a aplicabilidade ou não da referida Lei, pode e deve a mesma ser aplicada em relação aos contratos e atos anteriores à sua vigência, fato este que não afronta o artigo 6º , da Lei de Introdução ao Código Civil e tampouco o artigo 5º , inciso XXVI, da Constituição da República, até porque, analisada a natureza do contrato e considerada a atividade de risco a que se submete a contratada, verifica-se que se trata de negócio jurídico que se protrai no tempo.
    Relevante consignar que a obrigação vem sendo anualmente renovada, ou seja, o foi após a vigência do novo ordenamento, razão pela qual pelo mesmo foi alcançada."


    Como restou demonstrado, sob qualquer prisma por que se analise desta questão, é inteiramente abusiva e, como tal, ilícita a negativa do Plano de Saúde em proceder a cirurgia de que necessita o cidadão, segurado.

    Como reforço de tese, traz-se também o seguinte julgado proferido em voto pelo Douto Desembargador ADÃO SÉRGIO DO NASCIMENTO CASSIANO, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nos autos da Apelação Cível nº 70009732173, in verbis:

    “É sempre oportuno lembrar que o Direito não se esgota e não se resume tão-só na lei. O Direito é sistema que decorre também da lei, mas não só dela, já que também são fontes do Direito a jurisprudência, os princípios gerais do direito e o costume, sendo que todo o sistema é iluminado ainda pelos valores jurídicos, cujo valor mais alto é o da Justiça.”

    Por último, a Ação cabível, no meu modesto ver, seria a Obrigação de Fazer C/C Antecipação dos Efeitos da Tutela.



    Cordialmente,
  3. DeFarias

    DeFarias Membro Pleno

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    Colega, vou citar algumas ementas do STJ e, a partir daí, desenvolva a sua argumentação para o caso.


    AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. LIMITAÇÃO DE COBERTURA. RESTRIÇÃO DE DIREITOS. AUSÊNCIA DE DESTAQUE. CLÁUSULA INEFICAZ.
    1. A jurisprudência deste Tribunal Superior prega que nos contratos de adesão, consoante o art. 54, § 4º, do CDC, a claúsula restritiva a direito do consumidor, para ser exigível, deverá ser redigida com destaque, a fim de permitir sua imediata e fácil compreensão.
    2. Agravo regimental a que se nega provimento.
    (AgRg no REsp 714.138/SC, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 24/08/2010, DJe 01/09/2010)


    Civil. Recurso especial. Ação cominatória cumulada com pedido de compensação por danos morais. Plano de saúde firmado em 1992. Recusa de cobertura de gastroplastia redutora, conhecida como 'cirurgia de redução de estômago', sob alegação de ausência de cobertura contratual. Operação recomendada como tratamento médico para gravíssimo estado de saúde e não com intuito estético. Técnica operatória que passou a ser reconhecida nos meios médicos brasileiros em data posterior à realização do contrato. Acórdão que julgou improcedentes os pedidos com base na necessidade de manutenção da equivalência das prestações contratuais. Extensão da cláusula genérica relativa à cobertura de 'cirurgias gastroenterológicas' para a presente hipótese.
    - O CDC é aplicável à controvérsia, ao contrário do quanto afirmado pelo acórdão.
    - A discussão sobre a equivalência das prestações deveria ter levado em conta que a análise contratual correta, em termos econômicos, depende, necessariamente, do estudo de dois momentos distintos no contrato de seguro-saúde: o primeiro é relativo à definição das doenças cobertas, e o segundo, às eventuais previsões de tratamentos específicos para tais doenças.
    - Se o contrato previa a cobertura para a doença, qualquer constatação de desequilíbrio financeiro a partir da alteração do tratamento dependeria, naturalmente, de uma comparação analítica entre os custos derivados das duas prescrições – aquela prevista no momento da contratação e aquela desenvolvida mais tarde.
    - Sem tal comparação, a argumentação desenvolvida é meramente hipotética, pois se presume, sem qualquer demonstração, que a nova técnica é necessariamente mais custosa do que a anterior.
    - Não se desconsidera, de forma apriorística, a importância do princípio da equivalência das prestações nos contratos comutativos;
    porém, é de se reconhecer que a aplicação desse cânone depende da verificação de um substrato fático específico que aponte para uma real desproporção entre as prestações, não se admitindo que a tutela constitucional dos direitos do consumidor seja limitada com base em meras suposições.
    - A ausência de adaptação do contrato às disposições da Lei nº 9.656/98 – que prevê expressamente a cobertura para a cirurgia de redução de estômago – é ponto irrelevante, pois a controvérsia, conforme visto, se desenvolve unicamente na perspectiva da análise do contrato firmado em data anterior a tal Lei.
    - A jurisprudência do STJ se orienta no sentido de proporcionar ao consumidor o tratamento mais moderno e adequado, em substituição ao procedimento obsoleto previsto especificamente no contrato. A interpretação das cláusulas contratuais deve favorecer a extensão dos direitos do consumidor.
    - É evidente o dano moral sofrido por aquele que, em momento delicado de necessidade, vê negada a cobertura médica esperada.
    Precedentes do STJ.
    Recurso especial provido.
    (REsp 1106789/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/10/2009, DJe 18/11/2009)


    CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SEGURO SAÚDE ANTERIOR À LEI 9.656/98. SUBMISSÃO DO SEGURADO À CIRURGIA QUE SE DESDOBROU EM EVENTOS ALEGADAMENTE NÃO COBERTOS PELA APÓLICE. NECESSIDADE DE ADAPTAÇÃO A NOVA COBERTURA, COM VALORES MAIORES. SEGURADO E FAMILIARES QUE SÃO LEVADOS A ASSINAR ADITIVO CONTRATUAL DURANTE O ATO CIRÚRGICO. ESTADO DE PERIGO. CONFIGURAÇÃO. É EXCESSIVAMENTE ONEROSA O NEGÓCIO QUE EXIGE DO ADERENTE MAIOR VALOR POR AQUILO QUE JÁ LHE É DEVIDO DE DIREITO. DANO MORAL CONFIGURADO.
    - O estado de perigo é tratado pelo Código Civil de 2002 como defeito do negócio jurídico, um verdadeiro vício do consentimento, que tem como pressupostos: (i) a “necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família”; (ii) o dolo de aproveitamento da outra parte (“grave dano conhecido pela outra parte”); e (iii) assunção de “obrigação excessivamente onerosa”.
    - Deve-se aceitar a aplicação do estado de perigo para contratos aleatórios, como o seguro, e até mesmo para negócios jurídicos unilaterais.
    - O segurado e seus familiares que são levados a assinar aditivo contratual durante procedimento cirúrgico para que possam gozar de cobertura securitária ampliada precisam demonstrar a ocorrência de onerosidade excessiva para que possam anular o negócio jurídico.
    - A onerosidade configura-se se o segurado foi levado a pagar valor excessivamente superior ao preço de mercado para apólice equivalente, se o prêmio é demasiado face às suas possibilidade econômicas, ou se sua apólice anterior já o assegurava contra o risco e a assinatura de novo contrato era desnecessária.
    - É considerada abusiva, mesmo para contratos celebrados anteriormente à Lei 9.656/98, a recusa em conferir cobertura securitária, para indenizar o valor de próteses necessárias ao restabelecimento da saúde.
    - Impõe-se condições negociais excessivamente onerosas quando o aderente é levado a pagar maior valor por cobertura securitária da qual já gozava, revelando-se desnecessária a assinatura de aditivo contratual.
    - O direito subjetivo assegurado em contrato não pode ser exercido de forma a subtrair do negócio sua finalidade precípua. Assim, se determinado procedimento cirúrgico está incluído na cobertura securitária, não é legítimo exigir que o segurado se submeta a ele, mas não instale as próteses necessárias para a plena recuperação de sua saúde.
    - É abusiva a cláusula contratual que exclui de cobertura a colocação de “stent”, quando este é necessário ao bom êxito do procedimento cirúrgico coberto pelo plano de saúde. Precedentes.
    - Conquanto geralmente nos contratos o mero inadimplemento não seja causa para ocorrência de danos morais, a jurisprudência desta Corte vem reconhecendo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura de seguro saúde, pois tal fato agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, uma vez que, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada.
    Recurso Especial provido.
    (REsp 918.392/RN, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/03/2008, DJe 01/04/2008)


  4. Pedro Lisse

    Pedro Lisse Em análise

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    São Paulo
    Muito grato pela ajuda.
    Vou usar esta jurisprudencia, e basear a minha tese nela.

    Abraços

    Pedro





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