Escritura Pública Revoga Ou Não O Contrato Particular?

Discussão em 'Direito Civil, Empresarial e do Consumidor' iniciado por E.duardo, 24 de Abril de 2013.

  1. E.duardo

    E.duardo Membro Pleno

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    Bom dia!
    Gostaria de obter auxílio dos colegas na seguinte situação:

    Foi celebrado um contrato particular de Promessa Particular de Compra e venda de Imóvel, perfeitamente válido, sem nulidades.

    Neste contrato, o valor da venda foi parcelado, sendo que, antes do recebimento da última parcela, o VENDEDOR, acabou por assinar a Escritura Pública de compra venda, que foi levada à registro no Cartorio Imobiliário.

    Ocorre que, na Escritura Pública constou outro valor do Imóvel, menor do que o valor do Contrato Particular, por motivos relativos ao financiamento imobiliário que o COMPRADOR não conseguiria realizar caso constasse na Escritura Pública o real valor do Contrato Particular.

    Pois bem. Acredito que, relativamente à anulação da escritura pública não há o que fazer.

    Restou ao VENDEDOR Executar o contrato particular.

    Na ação de execução, o Executado alegou a revogação legal do contrato particular por conta da celebração da escritura pública de compra e venda, embora eu nao tenha encontrado dispositivos legais pertinentes.

    Gostaria de auxílio:  A escritura pública revoga automaticamente o contrato particular? 
    O contrato particular permanece como um título executivo independente?
    Qual alegação o Exequente pode lançar mão para rebater?

    Obrigado!
  2. pjstramosk

    pjstramosk Membro Pleno

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    Caro Eduardo,
    Como a escritura pública foi realizada em momento posterior ao contrato particular, tenho que aquela substitui essa. Contudo, entendo que o vendedor pode utilizar o contrato como prova documental de uma dívida, mas terá que possuir outras provas para combater a alegação de "novação da dívida" pela escritura pública.
    Nos mantenha informados.
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  3. Diego Emmanuel F. Pinheiro

    Diego Emmanuel F. Pinheiro Ex-advogado. Oficial da PMMG e investidor

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    Em minha humilde opinião, acredito que não, a escritura pública não substitui o contrato particular (ao menos não de maneira automática), porque ambos são negócios jurídicos diferentes. Acho que o contrato de promessa de compra e venda neste caso serviria como um contrato complementar à escritura (na medida em que cria direitos e obrigações em relação à eventual transferência do domínio, que só se dá pelo registro do título - leia-se escritura - no respectivo cartório), porém guardando autonomia em relação a esta.

    Vou citar a opinião de Carlos Roberto Gonçalves¹ porque acredito que pode ser útil ao deslinde do problema do colega. Eis que ele se manifesta acerca da aquisição da propriedade imóvel pelo registro do título da seguinte maneira, in verbis: "Para a aquisição da propriedade imóvel, no direito brasileiro, não basta o contrato, ainda que perfeito e acabado. Por ele, criam-se apenas obrigações e direitos, segundo estatui o art. 481 do Código Civil [...]" (2009, p. 275 e 276) - negritei.

    Ele cita o art. 481 no trecho que suprimi e continua, ipsis verbis: "A transferência do domínio, porém, só se opera pela tradição, se for coisa imóvel (CC, art. 1.267) e pelo registro do título translativo, se for imóvel (art. 1.245)." (2009, p.275).

    Neste sentido, da citação acima é possível inferir o seguinte: primeiro que um contrato de compra e venda ou mesmo de promessa de compra e venda em relação a um bem imóvel é plenamente possível. Segundo que a existência concomitante de um contrato desta natureza e de uma escritura pública de compra e venda de bem imóvel também é possível, pois além do mencionado autor refererir-se expressamente ao contrato em sua lição, a LRP (Lei de Registros Públicos) é anterior ao Código Civil Brasileiro de 2002 (CCB/02), sendo que este último diploma legal, ao determinar as diretrizes gerais aplicáveis a todos os negócios jurídicos e, especificamente, aos contratos, não faz qualquer ressalva, restrição ou proibição em relação ao contrato particular de compra e venda de bem imóvel existir prévia ou concomitantemente à escritura pública de compra e venda da propriedade imóvel, senão mencionando a exigência do registro do título público.

    Neste rumo, entendo que apesar de o contrato de compra e venda ser de natureza privada, o que ficou nele estabelecido deve ser respeitado, pois emanou da vontade livre e sem quaisquer vícios das partes (o princípio pacta sunt servanda e o rebus sic stantibus devem ser obedecidos, ainda que no caso concreto haja aparente incidência retroativa de princípios de direito público à relação estabelecida pelas partes na época da celebração da promessa de compra e venda).

    A escritura pública tem fé pública? Sim. É necessária à transferência da propriedade imóvel? Sim. Porém, invalida os negócios jurídicos anteriormente celebrados em relação ao mesmo objeto nela previsto? Defendo que não. O registro público é prova de veracidade e boa-fé, mas os escritos particulares, quando perfeitos, também o são. A complementariedade desses escritos (privado e público) deve ser resolvida em ponderação de valores, já que a colidência entre as naturezas desses documentos é apenas aparente a meu ver.

    O contrato é anterior à escritura no presente caso e esta veio para confirmar o que já havia sido estabelecido pelas partes anteriormente, tanto que o oficial cartorário não estabeleceu qualquer prazo ou suscitou qualquer procedimento de dúvida ao juízo local a fim de serem sanadas irregularidades no acordo de vontade das partes. Outro detalhe interessante em prol dessa tese que estamos construindo diz respeito ao fato de que é possível até mesmo registrar (averbar) o contrato particular junto à matrícula do imóvel a ser transferido, ou seja, se a escritura pública invalidasse o contrato particular, este sequer poderia ser registrado no cartório.

    A título de curiosidade, veja o art. 108 do CCB/02 e os demais já citados acima.

    É de ressaltar ainda, que a suposta "revogação legal" teria que estar expressa no texto legal, haja vista ser norma restritiva de direitos (e as exceções interpretam-se restritivamente, devendo existir norma legal a ser interpretada neste sentido, algo que sequer existe... então não é possível interpretar uma exceção se não houver texto que sirva de base a essa interpretação e a interpretação restritiva em relação a exceções também não pode ser usada com base na analogia; princípio de hermenêutica - quanto a este ponto específico de minha opinião e ao resto desta minha tese, ressalvo o fato de que como não vi a sustenção escrita do advogado da parte contrária, não tenho como saber qual foi a interpretação que ele fez e com base em quais dispositivos o fez; então sugiro cautela e que o colega interprete o que estou escrevendo levando isso em consideração).

    Demais disso, ainda que a escritura pública seja dotada de presunção de veracidade e que possa ser mais ampla que o contrato (algo que se acontecer será raro, pois as escrituras que já vi até hoje são muito "enxutas" e sempre estiveram muito aquém dos contratos que elaborei por exemplo - modéstia à parte, é claro, pois com o devido respeito aos agentes delegatários, muitos só fazem um trabalho porco mesmo) não acho que ela o revogue ou anule automaticamente. Se a parte pedir a anulação judicialmente e o juiz deferir, terá que fundamentar obviamente, mas sem provimento jurisdicional definitivo neste sentido, não vejo qualquer impedimento legal à sua pretensão, mesmo porque o contrato celebrado no seu caso é anterior à escritura e pela força probante dos documentos particulares (equivalente a dos documentos públicos - a diferença entre um e outro está basicamente na presunção de veracidade existente em relação aos registros públicos) o que neles consta deve ser respeitado, haja vista ter obedecido às normas legais vigentes (também vejo um conflito, ao menos aparente, de leis neste caso e a posterior derroga a anterior neste ponto conflitante - ver art. 2º, §1º da LINDB).

    Em relação à opinião do colega Juiz Leigo, entendo não ter havido novação de dívida (se foi esse mesmo o sentido da expressão que o colega usou, já que colocou-a entre aspas). Não houve manifestação das partes em "novar" (em constituir nova divídida), ao menos não manifestação livre de impedimentos (pelo que entendi, se o vendedor assinou a escritura, o foi por inocência) - talvez essa possa até ser uma tese para tentar anular a escritura no futuro; veja os arts. 104 ao 114 do CCB.

    No mais, torço para que minhas considerações tenham sido minimamente úteis, ainda que estejam incorretas.

    Aguardemos outras manifestações também.

    Abraço e até mais.
    Cordialmente.

    ___________________________________________
    ¹GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, vol. V: direito das coisas. 4. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009)
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  4. E.duardo

    E.duardo Membro Pleno

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    Rio Grande do Sul
    Colegas! Obrigado pelas manifestações, todas foram bastante úteis. Especialmente a opinião do colega Diego Emmanuel, que trouxe a sempre lúcida explicação de Carlos Roberto Gonçalves, cujo entendimento acabei por lançar na Impugnação aos Embargos à Execução.
    Assim que for sentenciado o feito, informarei o resultado aos colegas!!
    Obrigado!
    Abraços!
  5. Diego Emmanuel F. Pinheiro

    Diego Emmanuel F. Pinheiro Ex-advogado. Oficial da PMMG e investidor

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    Minas Gerais
    De nada, colega Eduardo, conte sempre conosco.

    Realmente nos informe sobre o deslinde da ação, porque a questão é interessantíssima.

    Abraços.
    Cordialmente.
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