Boa tarde a todos.
Tenho um "caso prático" de extraterritorialidade da lei penal nas mãos.
A questão principal é "Deve o MP oferecer ou não a denúncia?"
Eis o problema: é o caso de um brasileiro que cometeu dois crimes no exterior, a "associação para delinquir" e "fraude", segundo o CP italiano. Tais crimes foram descobertos pela "polícia federal" italiana em dezembro de 2001 (mas tem notícia de que o mesmo já vinha cometendo crimes desde 1996)
Ele foi julgado e condenado (a revelia) na Itália, em pouco mais de cinco anos de reclusão, somando as penas em três processos distintos, tendo o último transitado em julgado em 03/2009.
Acontece que o brasileiro fugiu para o Brasil, para não cumprir a pena; sendo assim, não há meios (até onde eu saiba) de executar a pena imposta pela justiça italiana no Brasil (pois não há qualquer convenção entre os dois países neste sentido), tampouco extraditá-lo, por vedação da Carta Magna (art. 5º, LI) ou ainda homologar a sentença para executá-la no país, já pela razão mencionada alhures (art. 105, I, "i" da CF c/c ART. 9º do CP) e pelo fato do exequatur não servir para este fim, segundo o art. 9º do CP brasileiro, mas tão somente para:
I – obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis;
II – sujeita‑lo a medida de segurança.
A lei infraconstitucional, por sua vez (CP) estabeleceu, no art. 7º, condições para que um brasileiro, ainda que tenha cometido crime no exterior, fosse processado e julgado no Brasil (extraterritorialidade condicionada, baseada no princípio da personalidade ou nacionalidade):
Art. 7º Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
II – os crimes:
[...]
b) praticados por brasileiro;
[...]
§ 2º Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições:
a) entrar o agente no território nacional;
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.
Bom, o agente atendeu a todas as cinco hipóteses, inclusive a alínea c - isso se os crimes acima citados, de acordo com a tradução dos autos para o português, realmente se encaixarem nos crimes de quadrilha ou bando (art. 288) e estelionato (art. 171) do CP pátrio (essa é uma das minhas dúvidas, por sinal), pois o estatuto do estrangeiro autoriza a extradição de estrangeiro que cometeu crime cuja pena de prisão é superior a um ano (vide art. 77, IV da lei nº 6.815/80).
Ao que tudo indicava, não havia qualquer óbice para que o MP oferecesse denúncia...
Porém, ao realizar pesquisa sobre o tema, descobri que está em vigor o Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos, regulamentado pelo Decreto nº 592 de 06 de julho de 1992.
Este pacto foi mencionado pelo Min. Celso de Mello, no julgamento da Extradição 1223, em que a corte apreciou pedido de extradição de brasileiro naturalizado (a qual foi negada) e, na mesma oportunidade, o eminente ministro levou a discussão o citado pacto, nestes termos (vide informativo 649 do STF):
"Em obiter dictum, discutiu-se, também, a questão da possibilidade, ou não, de o brasileiro naturalizado, embora condenado pela Justiça estrangeira, vir a ser processado, criminalmente, pelo mesmo fato, no Brasil. O Min. Celso de Mello, relator, abordou a questão da eficácia extraterritorial da lei penal brasileira à luz do princípio "aut dedere, aut punire". Teceu considerações de ordem doutrinária no sentido de que, em situações como a dos autos, viabilizar-se-ia a incidência da cláusula da extraterritorialidade da lei brasileira, condicionada, no entanto, ao atendimento dos requisitos dispostos no § 2º do art. 7º do CP ["Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável"]. Aduziu que essa sistemática objetivaria evitar a impunidade do nacional que delinqüira alhures. Todavia, dessumiu do art. 14, 7, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos ("Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e os procedimentos penais de cada país"), que este diploma — qualquer que fosse sua natureza, supralegal ou constitucional — estaria acima da legislação interna, de sorte a inibir a eficácia dela. Assim, mencionou que, aparentemente, estaria tolhida a possibilidade de o Brasil instaurar, contra quem já fora absolvido ou condenado definitivamente no exterior, nova persecução criminal motivada pelos mesmos fatos subjacentes à sentença penal estrangeira. Nesse ponto, o Min. Celso de Mello sustentou a existência, em nosso sistema jurídico, da garantia constitucional contra a dupla persecução penal fundada no mesmo fato delituoso. Por sua vez, o Min. Gilmar Mendes, tendo em conta a redação dos artigos 8º e 9º do CP, sinalizou que a legislação brasileira deveria ser atualizada para admitir a execução da pena no Brasil, o que seria condizente com a internacionalização do mundo, a fim de evitar a criação de verdadeiros paraísos penais. Nessa mesma linha, o Min. Ricardo Lewandowski vislumbrou que a aceitação de condenação imposta em outro país só poderia ocorrer em âmbito restrito de acordos bilaterais ou multilaterais, em que se reconhecesse que o Judiciário estrangeiro atuasse segundo as normas do due process of law. O Min. Ayres Britto observou que essas ponderações seriam resultado da "cosmopolitanização" do direito".
As minhas dúvidas são:
1) Os crimes de "associação para delinquir" e "fraude" do CP italiano correspondem, respectivamente, aos crimes previstos nos arts. 288 e 171 do nosso CP?
2) O pacto internacional de direitos civis e políticos, no qual o Brasil é signatário, tem status de norma supralegal, como o Pacto de San Jose da Costa Rica?
3) Caso a resposta ao item anterior seja afirmativa, então o Brasil não poderia, em hipótese alguma, processar novamente este agente... Restaria, então, o pedido de arquivamento, não? (é uma tese plausível para tanto?)
4) Pode parecer uma pergunta meio ingênua, mas assim mesmo farei: É possível, em um caso como este, devido a sua complexidade (com muitos documentos a serem analisados e mal traduzidos), enviar tais documentos para que o Procurador-Geral de Justiça apreciasse a questão – obviamente, apresentando as duas teses, de oferecer ou não a denúncia – e ele decidir se deve ou não oferecer a denúncia? Ou pode-se arriscar a oferecer o arquivamento com base neste argumento (que o pacto vedaria novo julgamento) e se o juiz discordar do argumento, aplicaria o art. 28 do CPP? (que no final daria quase no mesmo, só que na primeira hipótese, o magistrado não apreciaria o caso, pois o PGJ já seria oficiado diretamente...)
Desde já agradeço pela atenção de todos!
Atenciosamente,
Regina.
Tópicos Similares: Brasileiro Condenado
Duvida sobre o nazismo no código penal brasileiro | ||
Lei Seca E O Código De Trânsito Brasileiro. | ||
A Realidade Do Nosso Poder Judiciário Brasileiro | ||
Corinthians Empata Com Palmeiras No Pacaembu E É Pentacampeão Brasileiro | ||
Raposa Serra Do Sol E A Missão Constitucional Das Forças Armadas (Exército Brasileiro) |